Tribos Indígenas do Brasil



TRIBOS INDÍGENAS DO AMAZONAS


APIAKÁ
Nomes alternativos: Apiacá
Classificação lingüística: Tupi-guarani
População: 192 (Funasa – 2001)
Local: Amazonas, Mato Grosso, Pará

Os Apiaká vivem no norte do Estado de Mato Grosso. Encontram-se dispersos ao longo dos grandes cursos fluviais Arinos, Juruena e Teles Pires. Parte deles reside em cidades como Juara, Porto dos Gaúchos, Belém e Cuiabá. Tem-se notícia também da existência de um grupo arredio. 

A maior parte de sua população encontra-se aldeada na Terra Indígena Apiaká-Kayabí, cortada pelo rio dos Peixes. Os Apiaká vivem na margem direita do rio e os Kayabí, na margem esquerda. Os Apiaká eram um povo numeroso, constituindo uma aldeia de até 1.500 pessoas, além de outras também populosas.

O mundo subaquático é concebido como uma réplica do mundo humano, com roçados e casas; os temidos seres encantados que aí habitam, designadamente a mãe d’água (em Apiaká: ajáng), a sucuriju (mosahúa, a dona dos peixes) e os botos (piraputóa), por vezes tentam seduzir os humanos; quando conseguem capturar a “sombra” (ang, sinônimo de espírito e alma) de uma pessoa, o corpo dela pode definhar até a morte. 


A vítima desses seres torna-se apática, pode apresentar febre e inapetência, ter pesadelos, delírios e passar a recusar o convívio dos co-residentes; é preciso então acionar um rezador, que faz orações e agita folhas de pião-roxo sobre o corpo do doente.

Na mata existem o Siruría, ser antropomórfico que confunde o caçador, fazendo com que se perca; a cobra jiboia e uma certa liana (cipó-alho) também desorientam o homem, que passa a andar em círculos e perde a trilha; o macaco juruparí, que ataca à noite, degolando a vítima e sugando seu sangue; o capelobo (ou mapinguari), ser fedorento que causa morte aos homens; os bandos de queixada que, se desafiados com atitudes inadequadas da parte do caçador, como gritos e gargalhadas, podem capturar seu espírito, mal que deve ser curado por meio de banhos com plantas da floresta. 


O Sirurekanjíga, dono, chefe e espírito das espécies animais, não representa propriamente um perigo para os homens, mas não pode ser alvejado em hipótese alguma; para assegurar a abundância de caça, os homens costumam agradá-lo, deixando um cigarro na cavidade de um tronco. 

Como se nota, a relação com o “dono dos animais” define-se como uma espécie de camaradagem respeitosa: é possível convencê-lo, mediante presentes, a liberar uma quantidade razoável de caça para a alimentação.

Os Apiaká acreditam que a pessoa consiste de alma (ang) e corpo, e que alma pode se desligar do corpo provocando doenças. 

Eles dão valor ao autocontrole e temem os efeitos de doença quando a pessoa pode ser 'desmentada'. A pessoa 'dementada' de doença demonstrar a possibilidade de deixar de ser humano. 

Uma pessoa pode transformar-se em espírito de animais. A doença é a culpa da pessoa ou outra pessoa e uma pessoa assim 'desmentada' deve procurar um 'puxador' na aldeia para aplicar cremes e massagens no corpo.

O homem que atacar o boto pode adoecer e está em perigo ser atacado pelo animal e ser levado para a terra situada em baixo do rio.


A transformação controlada em bicho é feita pelos pajés. Entretanto os Apiaká afirmam que não têm curandeiros ou pajés, mas acreditam nos seus poderes e procurá-los entre as outras etnias. 

Os pajés que são maus, e eles, juntamente com a transformação associada com a doença, são indicações da instabilidade da condição humana. 

A capacidade de socializar e manter relações humana deve predominar na pessoa sobre a parte animal (Tempesta 2009). 

Antigamente os Apiaká tinham pajés e praticavam cerimônias de danças, mas hoje são Católicos.
Quando alguém morreu dentro de uma casa, o esposo ou a viúva permaneceu de luto por um ano com o rosto pintado preto, observando restrições de alimento. Hoje em dia a casa é abandonada e o nome do falecido nunca é prenunciado (Wenzel 1996).

Cosmovisão: Conforme Nimuendajú os Apiaká creiam em um deus criador dos céus e da terra, que revela a sua ira por meio de relâmpagos e trovões. Dois heróis míticos agora vivem na Via Láctea perto do Cruzeiro do Sul (Wenzel 1996). 

Na terra a mata é habitada por diversos seres malignos. O siruría um antropoide em conjunto com o cipó-alho e a jiboia pode desnortear o caçador. O macaco jurupari degola a gente à noite para chupar o sangue. 


O dono dos animais de caça controla a abundancia de caça, e o caçador tem de apaziguá-lo com um charuto, deixando-o em uma cavidade de um tronco de uma árvore. 

O mundo sob as águas é uma réplica do mundo dos homens. É habitado por seres encantados, como os botos, a dona dos peixes e a mãe d'água. Estes vivem em casas e têm roças. Se a sombra de uma pessoa é capturada por esses seres, ela adoecer e morrer (Tempesta 2009).

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APURINÃ
Nomes alternativos:
 Ipurinãn, Kangite, Popengare
Classificação linguística: Arawak
População: 2,000 (1994 SIL)
Local: Amazonas, Acre; espalhados sobre 1600 quilômetros do Rio Purus, de Rio Branco até Manaus

"QUEM É O DEUS DE VOCÊS? 
NÃO SEI. 
Só sei que o nome dele é TSORA".

Artur Brasil Apurinã, Mũpuraru, Artur Pajé, assim fala de Tsora, ou, como ele traduz: Deus, Jesus. Tsora é o criador de todas as coisas que tem na terra e é por isso chamado de Deus, em português. 

A história de Tsora, história do começo do mundo, do começo de tudo, em suas muitas versões sempre se inicia por Mayoroparo, ou “depois que a terra incendiou”.

 Mayoru é urubu e Mayoroparo é uma mulher monstruosa, uma velha que comia os ossos das pessoas desobedientes (que tem ossos moles) e guardava os dos obedientes para maniva de mandioca e batata, no começo do mundo.



Tsora é filho de Yakonero. Alguém dormia com Yakonero todas as noites. Querendo saber quem é o visitante, ela suja as mãos com jenipapo e passa em suas costas. No dia seguinte é o katokana (canudo de rapé) do pajé que aparece preto. Então, Yakonero é expulsa. 

No caminho para a casa de seus parentes, seu filho, então no seu ventre, pede várias coisas. Ela, irritada, bate na barriga. Ele, por pirraça, troca a indicação para a casa, o que a faz parar nos Katsamãũteru. 

A velha, que lá mora, a esconde no jirau, e dá uma cuia para Yakonero – já grávida e por isso com vontade de cuspir – que cospe até que a cuia transborda, fazendo os homens perceberem sua presença.



São gerados quatro filhos de Yakonero, no galho de algodão. Tsora é o menor, o mais fraco, porém o mais engenhoso e poderoso. Os irmãos vingam matando, com armadilhas, um a um, os matadores de sua mãe.

A origem de tudo que existe, hoje, é compreensível por esta história: a origem do tamanho da castanheira, a origem da resina, da cor do quatipuru, a existência de vários peixes, como o surubim, o caparari, e a origem, também, da vingança.

Tsora criou as pessoas e os diferentes tipos de pessoas, os diferentes povos: Apurinã, brancos, outros índios. Fez aos povos vários testes, nos quais os Apurinã sempre saíram pior do que outros índios e do que os brancos. Por isso, dizem os narradores, apesar dos Apurinã serem “o melhor que tem”, são poucos e divididos.

Outra história muito importante para explicar os Apurinã, hoje, é a da Terra Sagrada e dos Otsamaneru. Os Apurinã eram imortais, e moravam em uma terra onde nada adoecia, estragava ou morria. 


Vinham com os Otsamaneru, migrando de uma terra de imortalidade para outra. Eles, entretanto, se encantaram em demasia com as coisas da “terra morredoura”, entre as terras sagradas, e aí permaneceram.

Os Kaxarari são freqüentemente apontados como os companheiros dos Apurinã nesta viagem. Segundo alguns relatos, viriam os três povos: Kaxarari, Apurinã e Otsamaneru. Os Kaxarari teriam se encantado primeiro com as frutas da “terra morredoura”, os Apurinã em seguida e os Otsamaneru teriam seguido viagem.



RITUAL XAMANISMO...

As festas Apurinã, que recebem o nome genérico de Xingané (em Apurinã, kenuru), incluem desde pequenas cantorias noturnas até grandes eventos, com convites para muitas aldeias, farta comida, vinho de macaxeira, banana, patauá e combustível para os participantes.

 Em algumas ocasiões são feitas festas para acalmar a sombra de um morto, na seqüência e nos anos seguintes do falecimento (neste caso, de acordo com Abdias, morador da Água Preta, o nome da festa seria isaĩ).

O Xingané inicia como um ritual de confronto. Os convidados chegam armados, pintados e enfeitados pela mata. Vêm gritando. Os da casa vão encontrar, também armados. 

Quando se encontram, avançam os líderes, iniciando uma discussão (em português denominam esse diálogo de cortar sanguiré, em Apurinã, katxipuruãta) rápida e alta, com as armas sempre apontadas para o peito um do outro. 

Atrás deles encontram-se os acompanhantes, de prontidão, com suas armas também apontadas para os que discutem. Quando abaixam a voz, abaixam também as armas e os líderes tomam rapé na mão um do outro.

No início da discussão, afirma-se que não se conhece o outro e perguntam quem ele é. Vem, então, o sanguiré, uma fala pessoal, sempre encerrada com a afirmação de quem se é filho e neto. Camilo Manduca Apurinã resume assim:

“Quando corta Sanguiré tem que lembrar nome do pai, da mãe, do avô. O que deseja dizer, diz na ocasião de Sanguiré. O que está passando, tem que descobrir na hora do Sanguiré”.

Uma festa já não praticada, mas considerada muito importante é a dos Kamatxi. Esta festa contava com a presença dos Kamatxi, seres que moram em buritizais e que vinham por ocasião da festa. Eram utilizadas flautas e as mulheres ficavam encerradas em uma casa, não podendo ver nada.


XAMANISMO

O princípio das doenças e da cura do “Pajé” (meẽtu) Apurinã são as pedras. A pedra é, ao mesmo tempo, o que lhe permite curar e o que lhe permite causar doenças e matar. 

Segundo vários relatos, na iniciação do pajé, o primeiro passo deve ser passar meses na mata, jejuando, ou comendo muito pouco e mascando katsowaru.

Também se deve evitar relações sexuais. Quando o pajé recebe uma pedra, ele a introduz no corpo e assim vai introduzindo todas as pedras que recebe ou que, no futuro, vai tirar do corpo dos doentes.

Um pajé cura utilizando katsoparu, folha que se masca, e Awire, Rapé. O pajé tem o seu próprio katsoparu e Awire, mas a pessoa que solicita a cura, em geral, é responsável por providenciá-los para a ocasião. 

O pajé deve mascar o katsoparu e tomar muito rapé. Às vezes, a cura é feita de forma privada, na casa do doente; mas, muitas vezes, todos conversam, mascam, até que o pajé dê início à sessão. Ele cura chupando o local. Muitas vezes, mostra a pedra e explica qual a doença, como o doente a adquiriu e o que deve fazer. 

Explica se é feitiço ou ação de um bicho da mata. Ele introduz a pedra no corpo e pode, então, recomendar remédios ou tratamentos. Os remédios em geral são plantas, mas podem ser também remédios industriais, de farmácia.

Um dos problemas mais comuns para um pajé resolver são os bichos que puxam, levam consigo o espírito de crianças. Há uma série de alimentos que o pai e a mãe devem evitar quando a criança é ainda pequena – até que ela tenha cerca de dois anos.

Os principais são os peixes e caças de grande porte, mas também feijão, cachaça, coco, abacaxi, katsoparu, manga. Esses últimos não levam a sombra, mas prejudicam a saúde da criança, uma vez que, pelo leite da mãe, ela absorveria o alimento.

Durante a noite, o espírito do pajé vai resgatar a sombra da criança. Este movimento é perigoso. Se for um pajé fraco, pode, por exemplo, ficar preso na entrada de um buraco de peixe e morrer. O pajé chega com chuva e trovão, momento em que a criança respira novamente.

Os pajés Apurinã trabalham com sonhos. Neles, seu espírito sai, visita outros lugares, cumpre tarefas. Outros espíritos guiam o pajé nestas jornadas: os bichos, ou chefes de bichos (hãwite) com quem trabalha. Cada pajé possui o seu, ou os seus: onça, cobra, mapinguari...

Outro problema comum, em crianças e em adultos, são as flechadas de “bichos”, “flechadores” (kĩpuatitirã). Trata-se dos “chefes” (hãwite). Um varador novo é especialmente perigoso. 

Banha-se as crianças com a planta pipioca (kawaky) como prevenção, ou uma mulher espirra o leite de seu peito. As crianças são as menos resistentes aos flechadores, podendo morrer em decorrência destes ataques.

De acordo com Otávio Avelino Chaves (Atokatxu), chefes de espécies animais são pajés, pelo menos é nesta qualidade que conversam com os pajés humanos. Uma das funções do pajé é dominar, controlar estes seres: fazer, por exemplo, com que parem de “assombrar” ou que as cobras parem de picar. 

O que outros vêem como bichos, o pajé vê como gente e, alguns, como sua família. Os pajés defendem a sua comunidade contra pedras de inimigos humanos e protegem e remediam os ataques de seres da mata.

Os pajés visitam várias terras, embaixo da terra onde se mora, embaixo do rio, até mesmo o céu, onde está Tsora - se forem fortes. Quanto mais forte é o pajé, menos limites há para o seu espírito. Se é assim em vida, em morte também o é. Os pajés não morrem, alguns falam, se encantam. No momento da sua morte, ouve-se um estrondo. 

Na morte de pajés antigos, eles davam instruções precisas de como queriam ser enterrados para que pudessem sair dos seus túmulos. 

Em alguns casos, os túmulos dos pajés permanecem limpos. Em outros, conta-se que eles são vislumbrados entre bandos de animais, como queixadas. Na sua maioria, entretanto, vão para a Terra Sagrada.

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ATROARI
Nomes alternativos:
 Atruahí, Atroaí, Atrowari, Atroahy, Ki’nya
Classificação linguística: Caribe
População: 350 (1995 SIL)
Local: Nos rios Alalau e Camanau na fronteira
 entre o estado de Amazonas e o território de Roraima. 
Também nos rios Jatapu e Jauaperi.

Durante vários períodos do ano, os Waimiri Atroari interrompem suas atividades cotidianas para realizarem suas festas.

Não há um calendário específico para os maryba e as datas são definidas com os Eremy (cantores), ocorrendo geralmente nos períodos de pouco trabalho comunitário, como preparo e plantio de roçados.


Maryba pode ser traduzido como festa, canto, dança. É um momento ritual e também um momento festivo, onde há suspensão do cotidiano para se transportar para um outro tempo e espaço. 

As festas têm um significado especial na vida dos Waimiri Atroari é onde vários grupos locais se reúnem para estabelecer e reafirmar alianças entre eles e os diversos aglomerados.

Algumas histórias são referências para explicar o surgimento dos maryba. As mais conhecidas são as seguintes:

Na época de Tahkome, Kinja não fazia festa, não sabia cantar nem dançar. Xiriminja, que cedeu esposas aos Tahkome, ensinou um Maryba para ser cantado na ocasião em que foi visitar seu neto. 


 Enviou recado pedindo para que ninguém chegasse perto de seu descendente, pois queria certificar-se que ele tinha os traços do povo d'água: os dedos ligados por uma membrana


Chegando na aldeia, com todo seu séquito de cobras grandes e outros Xiriminja, assustou a todos. Porém, logo que saíram das águas os habitantes da aldeia já escutavam seus cantos e puderam ver sua dança. Dançaram e cantaram junto com kinja.

Dentro da maloca, uma criança panaxi (muito curiosa e travessa) quis observar a criança neta de Xiriminja e, quando viu a mão parecida com um pé de pato, esticou os dedos e rasgou a membrana.

 Xiriminja, muito irado, retornou para sua moradia. Dessa maneira, somente um pouco dos cantos pode ser aprendido. Esses cantos e danças são executados no Maryba de iniciação masculina, mas não pode haver nenhuma mulher gestante participando, pois Xiriminja pode pensar ser aquele o seu neto.

Num outro momento, Kinja tahkome estava caçando e parou para dormir um pouco. Um pingo de água caiu em seus cílios e, ao abrir os olhos, observou que havia uma mulher diante dele. Tratava-se de Weriri kyrwaky, a filha do papagaio. Kinja ia flechar essa mulher, no entanto seu pai interviu e prometeu a filha em casamento.


Esse kinja casa-se com a mulher papagaio e a leva para a aldeia. Lá, Weriri kyrwaky ensina vários cantos e danças para os Waimiri Atroari. Passado muito tempo, Weriri kyrwaky sente saudades de seu pai e começa a cantar no roçado para chamar atenção de seu genitor. 

O esposo desconfiado da artimanha de sua cônjuge mata-a para não deixá-la fugir. Desde de então, até hoje, Kinja passou a cantar e dançar todos os Maryba que aprendeu com seus antepassados.


Há também outros tipos de festas, como o ritual dos mortos-vivos e inauguração de moradia. O Irikwa maryba (ritual dos mortos-vivos) é realizado quando algum espírito maligno está se aproximando da aldeia com o objetivo de acalmá-lo e afastá-lo; ou quando da morte de algum parente, para que sua alma não fique vagando pelo mundo dos vivos. 

Irikwa é uma entidade que não traz bons agouros. Vive na floresta e o kinja que a avistar é fadado a definhar até perecer, não havendo tratamento para esse tipo de contágio. O irikwa maryba é feito sempre que necessário, de maneira que não há uma periodicidade em sua realização.

A Mydy maryba (festa da casa nova) acontece quando o grupo local termina os trabalhos de cobrir e fechar as laterais da maloca. Participam dessa festa os diversos grupos domésticos e locais que foram convidados pelos Mydy Iapremy a auxiliarem nos trabalhos de construção da nova maloca.

Essa festa é realizada para solicitar bons fluidos para a nova moradia, para que irikwa não chegue perto, e também para que o material utilizado em sua execução tenha longa durabilidade.

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BANIWA
Nomes alternativos: Baniva, Baniua, Curipaco
Classificação lingüística: Aruak
População: 5.811 (Dsei/Foirn – 2005)
Local: Amazonas

Os Baniwa vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate, além de comunidades no Alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM). 

Já os Kuripako, que falam um dialeto da língua Baniwa, vivem na Colômbia e no Alto Içana (Brasil). Ambas etnias aparentadas são exímias na confecção de cestaria de arumã, cuja arte milenar lhes foi ensinada pelos heróis criadores e que hoje vem sendo comercializada com o mercado brasileiro. 


Recentemente, têm ainda se destacado pela participação ativa no movimento indígena da região. Esta corresponde a um complexo cultural de 22 etnias indígenas diferentes, mas articuladas em uma rede de trocas e em grande medida identificadas no que diz respeito à organização social, cultura material e visão de mundo.

Na cosmologia Baniwa, o universo é composto por múltiplas camadas, associadas a várias divindades, espíritos, e "outra gente". 

De acordo com o desenho de um Pajé Hohodene, o cosmos é basicamente composto por quatro níveis: Wapinakwa ("o lugar de nossos ossos"), Hekwapi ("este mundo"), Apakwa Hekwapi ("o outro mundo") e Apakwa Eenu ("o outro céu").

Um outro pajé elaborou um esquema mais complexo ainda, consistindo de 25 camadas: 12 de baixo da terra, e 12 acima. Cada uma das camadas debaixo da terra é habitada por "gente" com características distintas (gente pintada todo de vermelho, gente com boca larga etc.).

Acima da camada do nosso mundo são os lugares de diversos espíritos e divindades relacionados aos pajés: espíritos-pássaros que ajudam o pajé em sua procura de almas perdidas; o Senhor das Doenças, Kuwai, que o pajé procura para curar as doenças mais graves; os pajés primordiais e Dzulíferi, o Senhor de Pariká e tabaco; e finalmente, o lugar do Criador e Transformador Nhiãperikuli, ou 'Dio' que é um paraíso, a fonte de todos os remédios, onde mora também o gavião real, Kamathawa, o querido de Nhiáperikuli.

A cosmogonia Baniwa (isto é, o tempo do começo do mundo) é composta por um conjunto complexo de mais de 20 mitos protagonizados por Nhiãperikuli, iniciando com o seu aparecimento no mundo primordial e terminando com sua criação dos primeiros antepassados das Fratrias Baniwa e seu afastamento do mundo. 

Mais do que qualquer outra figura do panteão Baniwa, Nhiãperikuli foi responsável pela forma e essência do mundo, razão pela qual pode ser considerado o Ser Supremo da religião Baniwa.

O nome de Nhiãperikuli significa "Ele dentro do osso", referindo-se à sua origem. Resumindo a história, no começo do mundo, tribos de animais selvagens andavam devorando pessoas. Um dia o chefe dos animais pegou um osso do dedo de uma dessas pessoas devoradas e o jogou rio abaixo. 

Uma velha estava chorando pela perda de seus parentes; então o chefe mandou-lhe buscar o osso no rio. Tinha três pequenos camarões dentro, que ela catou e levou para casa. Lá eles se transformaram em grilos. Ela deu-lhes comida e eles começaram a cantar e crescer. Depois ela os levou para a roça e deu-lhes novamente comida. 

Eles continuaram se transformando, crescendo e cantando, até que apareceram como gente: três irmãos chamados Nhiãperikunai ("Eles dentro do osso"). 


A velhinha os advertiu para que ficassem quietos, mas eles começaram a transformar tudo e assim eles fizeram o mundo. Quando terminaram, voltaram para se vingar dos animais que mataram seus parentes. 

A história conta então uma série de atos de vingança em que os heróis acabaram restabelecendo a ordem no mundo. Entretanto, depois de um tempo, o chefe dos animais - querendo matar os três irmãos - fez uma roça nova e chamou os irmãos para queimá-la. 

Enquanto eles iam para o centro da roça, o chefe tocou fogo nas bordas. Mas os irmãos fizeram um pequeno buraco numa árvore de ambaúba, entraram e o tamparam. 

Quando o fogo (descrito no mito como uma conflagração que queimou o mundo inteiro) se aproximou, a ambaúba estourou e os três irmãos saíram voando, salvos das chamas e imortais. Desceram no rio, sopraram sobre o chefe dos animais, e lá tomaram banho.

Neste resumo, percebe-se que a situação do começo é de caos e catástrofe e, na mitologia Baniwa, há outras situações semelhantemente catastróficas, que também representam um prelúdio para uma nova ordem, quando as forças caóticas seriam dominadas.

Aqui, o osso é o veículo simbólico dos seres que recriaram a ordem neste novo mundo. Porém, a destruição catastrófica do mundo ainda permanece como possibilidade efetiva. Quando o mundo estiver infestado por um mal insuportável - como é representado nos mitos - as condições serão então suficientes para a destruição e a renovação.

O segundo grande ciclo na história do cosmos diz respeito aos mitos de Kuwai, que têm importância central na cultura Baniwa, explicando pelo menos quatro questões maiores sobre a natureza do mundo:

Como a ordem e os modos de vida dos antepassados são reproduzidos para todas as gerações futuras; Como as crianças devem ser instruídas sobre a natureza do mundo; como as doenças e o infortúnio entraram no mundo; E qual a natureza da relação entre seres humanos, espíritos e animais, que é a herança do mundo primordial.

O mito contra a vida de Kuwai, a criança de Nhiãperikuli e Amaru, a primeira mulher e tia de Nhiãperikuli. Kuwai é um ser extraordinário, cujo corpo é cheio de buracos, consiste de todos os elementos do mundo, e cujos zumbidos e cantos produziram todas as espécies animais. 

O seu nascimento coloca em movimento um processo rápido de crescimento, em que o mundo em miniatura e caótico de Nhiãperikuli se abre até o tamanho do mundo na vida real.



Kuwai ensina à humanidade os primeiros ritos de iniciação. Durante o período de reclusão dos meninos, porém, ele transforma em monstro e devora três iniciados que havia quebrado o jejum, comendo nozes de Uacú assado. 

No final do ritual, porém, Nhiãperikuli mata Kuwai, empurrando-o dentro de um enorme fogaréu, um inferno que queima a terra, reduzindo o mundo novamente em seu tamanho miniatura.

Das cinzas de Kuwai nascem os materiais vegetais com os quais Nhiãperikuli fez as primeiras flautas e trombetas sagradas que seriam tocadas nos ritos de iniciação e cerimônias sagradas por todos os Walimanai. 

Amaru e as mulheres, então, roubam esses instrumentos do Nhiãperikuli, provocando uma longa caçada em que o mundo se abre pela segunda vez, enquanto as mulheres, fugindo do Nhiãperikuli, tocam os instrumentos pelo mundo inteiro.

Após uma guerra contra as mulheres, os homens recuperam os instrumentos e, com eles, Nhiãperikuli procura os primeiros antepassados da humanidade.

Dessa maneira, o mito de Kuwai marca a transição entre o mundo primordial de Nhiãperikuli e um passado humano mais recente, que é trazido diretamente para a experiência das pessoas vivas nos rituais. Por isso, os pajés dizem que Kuwai é tanto deste mundo atual quanto do antigo, e que ele vive no "centro do mundo". 

Para os pajés, ele é o "Senhor das Doenças" e é quem mais procuram em suas curas, pois seu corpo consiste em todas as doenças - inclusive veneno, que é a 'causa' mais freqüente da morte das pessoas até hoje - cujas formas materiais ele deixou nesse mundo na grande conflagração que marcou sua "morte" e afastamento. 


Dizem os pajés que Kuwai tem cabelo no seu corpo inteiro como a preguiça preta Wamu. Kuwai enreda a alma dos doentes, abraçando-as (como a preguiça), e sufocando-as caso nenhuma ação seja tomada; mas ele também permite que o pajé recupere e devolva as almas aos seus donos.

Uma decorrência fundamental da cosmogonia Baniwa é que o mundo está permanentemente manchado pelo mal, pela doença e pelo infortúnio. Os pajés o chamam de Maatchíkwe, lugar do mal; kaiwikwe, lugar de dor; Ekúkwe lugar podre devido a tantos mortos apodrecendo debaixo da terra. 

Em contraste, os outros mundos do cosmos - principalmente o de Nhiãperikuli - são considerados lugares belos, sem doença, sem maldade, eternamente novo. Mas, como uma pessoa doente, este mundo de humanos precisa constantemente ser livrado do mal, da bruxaria e feitiçaria que as pessoas praticam e que levam a morte e sofrimento. 

Esse é o papel do pajé que são os "guardiões do Cosmos", e os rezadores que benzem o mundo nos rituais de iniciação, fazendo-o seguro para as novas gerações.

A vida religiosa baseia-se tradicionalmente nos grandes ciclos mitológicos e rituais relacionados aos primeiros ancestrais e simbolizados pelas flautas e trombetas sagradas, na importância central do xamanismo (pajés e rezadores, ou donos-de-canto) e em uma rica variedade de rituais de dança, chamados Pudali, associados aos ciclos sazonais e ao amadurecimento de frutas.



Os rituais de iniciação tradicionalmente são celebrados na época das primeiras chuvas e amadurecimento de certas frutas, quando se tem uma turma de meninos de dez a treze anos, prontos para receber os ensinamentos sobre a natureza do mundo. É absolutamente proibido para as mulheres e os não-iniciados verem as flautas e trombetas sagradas, sob pena de morte.

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DENI
Nomes alternativos: Dani
Classificação linguística: Arawá
População: 875 (Funasa – 2006)
Local: Amazonas

Compreendem mais de 600 tribos indígenas que habitam uma planície entre os Rios Purus e Juruá, localizados no Amazonas. Considerados como Tribo Arawa, os Deni são parte do braço linguístico Aruak. A primeira menção aos Deni aparece no relatório SPI de 1942. 

São divididos em grupos ou clãs. Cada clã tem certa autonomia política, possuindo sua própria auto-identidade: Bukure Deni, Kuniva Deni, Minu Deni, Varasa Deni, Hava Deni, Madija Deni. Devido ao baixo potencial agrícola do solo da floresta, os Deni equilibram sua dieta com a flora e a fauna selvagens.


Os Deni são nômades e sua população das aldeias oscila bastante, as aldeias são apenas uma agregação de grupos familiares e de famílias. Eles não possuem uma unidade inerente como comunidade. 

A religiosidade e cosmovisão do povo Deni, parte do pressuposto que a criação do mundo vem de um grande lagarto falante. 

Onde o espírito Mahaniru criou as plantas que nascem em pé (abacaxi, macaxeira, banana...). Um dos ancestrais, de nome Nadiha, trouxe os vegetais que cresciam na horizontal (Batata, Cará...)

Atualmente, o xamanismo é cada vez mais raro entre os Deni. Tradicionalmente, os xamãs (zupinehé) são preparados para exercer o cargo desde os três anos de idade. 


De acordo com o que levantou Koop (1983), a diferença fundamental entre os xamãs e os outros homens é a presença de uma substância chamada Katuhe em seus corpos, e a habilidade de comunicar-se pessoalmente com espíritos (tukurime). Katuhe é uma cera amarela e densa extraída de colméias na floresta.

O Xamã mastiga essa substância antes de ter visões e comunicar-se com os espíritos. Ele pode ficar enjoado, mas depois de aproximadamente duas semanas de mastigação, vomitando e dormindo em sua rede, ele afirma que voa até o céu, onde escuta o Tukurime.

A principal atribuição do xamã da aldeia é ter visões e uma interlocução com o mundo espiritual, de modo que possa identificar as causas de doenças e mortes, assim como orientar a população a prevenir-se contra essas adversidades.


Ainda segundo Koop, quando um Deni morre, o xamã busca conversar com seu espírito para determinar a causa da morte. Para isso, mastiga katuhe até ter uma visão na qual ele cria asas, voa até o céu e vê os espíritos de índios (Abanu) e espíritos perigosos. 

Ele então desvenda o que acontecera com o espírito da pessoa morta ou quem a agredira. A partir dessa informação, o povo decide se deve mudar-se para outro lugar ou fazer algo para evitar futuras agressões.


Além de tratar de pessoas enfermas, tradicionalmente o xamã tem ainda algumas responsabilidades políticas. Assim como o chefe da aldeia, ele pode convocar todos para uma festa. Em todas as festas, o xamã era o cantador por excelência. Após uma noite de festa, os homens reuniam-se na praça da aldeia de braços dados, com o xamã próximo ao centro. 

Depois das mulheres se alinharem na frente dos homens, o xamã iniciava cada canção e os outros o seguiam cantando, dançando, primeiro para frente, depois para trás ao redor do círculo (Koop, 1983). 


Hoje em dia a função de cantador pode ser desempenhada por outras pessoas. De todo modo, em todas as festas, o cantador – Hiridé – desempenha papel fundamental. Todos os Deni cantam e muitos têm músicas próprias, algumas de muito sucesso.

Em 1999, tive a oportunidade de observar um ritual de cura na aldeia Marrecão. Sivirivi, da aldeia Cidadezinha, tinha alergia a carne de porco-do-mato (Anubezá) e, toda vez que a consumia, tinha problemas digestivos. No dia 25/04/1999, Sivirivi estava passando muito mal e me pediu para levá-lo à aldeia Marrecão para o Zupinehé rezar, pois, segundo ele, essa era a única forma de se curar. 


Chegamos ao Marrecão e fomos até a casa de Zutihári, que colocou o doente deitado sobre uma prancha de madeira. O Zupinehé passou então a retirar a doença sugando os locais afetados (estômago e intestino) e cuspindo em seguida. Ao mesmo tempo, ele massageava a região afetada. 

O trabalho de cura demorou oito minutos, ao final do qual foram retiradas duas pedras da barriga de Sivirivi. Pouco tempo depois o doente disse se sentir aliviado e finalmente desapareceram os sintomas do mal-estar.

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DESSANAS

Os Desanos são um grupo indígena que habita no noroeste do estado brasileiro do Amazonas, mais precisamente nas Áreas Indígenas Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Pari Cachoeira I, Pari Cachoeira II, Pari Cachoeira III, Taracuá, Yauareté I e Reserva Indígena Balaio, além da Colômbia.


Autodenominam-se Umukomasã. Sua língua caracteriza-se como da família Tukano oriental. Na realidade línguas muito próximas no que diz respeito à gramática e ao vocabulário. Distribuem-se pela bacia do Rio Uaupés afluente do alto curso do rio Negro e outras bacias vizinhas ao sul. 

Os grupos que integram os Tukano Oriental organizam-se em fratrias e sibs patrilineares exogâmicos (grupos de descendentes de um ancestral comum que não casam entre si): Arapaso, Bará, Barasana, Desana, Karapanã, Kubeo, Makuna, Miriti-tapuya, Pirá-tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuka, Kotiria, Taiwano, Tatuyo, Yuruti (sendo que as três últimas habitam só na Colômbia). 

Na região compartilham convenções sobre o uso dessas línguas: a maioria fala pelo menos duas línguas e freqüentemente compreende outras, privilegiando a língua paterna nas conversas cotidianas.


Os Desana, ou Umuko Masá (“gente do universo”), são um dos dezesseis povos dessa família linguística que moram nesse no Brasil e na Colômbia. Sendo aproximadamente 1,5 mil indivíduos no Brasil, distribuindo-se se em cerca de 60 comunidades misturadas a comunidades de outros povos da mesma família Lingüística.

Os Desana, como outros povos das terras baixas da América do Sul, distinguem várias categorias de especialistas rituais que exercem as funções de prevenção e cura de doenças segundo a fonte do seu poder e a natureza de suas práticas terapêuticas: os Yea, ou xamãs-onça, e os Kumua, ou Xamãs-rezadores. 

Os Yea, cujo poder advém do contato estabelecido com os espíritos por meio da inalação do pó de paricá, são descritos como tendo a capacidade de se transformar em onça (daí o seu nome) para realizar certas tarefas. 

Eles efetuam as curas xamânicas através de diversas técnicas de manipulação do corpo (massagens, sucção, etc.) que visam a extrair do corpo do doente o objeto patogênico. Os kumu (especialistas religiosos) também utilizam em seus rituais coca, tabaco e Ayahuasca.

Como princípio básico, a cosmologia Tukano combina perspectiva móvel, replicação da organização social em diferentes escalas da existência - corpo, comunidade, casa e cosmos, e organização análoga entre níveis diferentes da experiência. 

O universo é feito de três camadas básicas: céu, terra e "mundo inferior". Cada camada é um mundo em si, com seus seres específicos e podendo ser entendidos tanto em termos abstratos como concretos. 


Em contextos diferentes, o "céu" pode ser o mundo do sol, da lua e das estrelas, ou o mundo dos pássaros que voam alto, ou os topos achatados dos Tepuis (topos achatados das montanhas) dos quais descem as águas ou o mundo dos topos das árvores da floresta, ou mesmo uma cabeça enfeitada com um cocar de penas vermelhas e amarelas de arara, que são as cores do sol. 

Do mesmo modo, o "mundo inferior" pode ser o Rio dos Mortos debaixo da terra, o barro amarelo debaixo da camada do solo onde enterram-se os mortos, ou o mundo aquático dos rios subterrâneos.

De toda forma, o que define o "céu" ou o "mundo inferior" depende não somente da escala e do contexto, mas também da perspectiva: à noite o sol, o céu e o dia ficam debaixo da terra e o escuro mundo inferior fica acima. 

Há uma história sobre um homem que encontra o cadáver de uma mulher-estrela que caiu na terra quando fora enterrada por sua família no céu: para seus parentes ela está morta no mundo inferior; para o homem, ela está viva na terra.


O homem casa com a mulher-estrela e vai com ela visitar sua família no céu. Para o homem, as estrelas são os espíritos dos mortos que vivem à noite; para as estrelas, ele que é um espírito, e o dia para ele corresponde à noite para elas.

Os diferentes grupos tukano também participam desse esquema. Assim, por exemplo, os Bará são Povo de Peixe (ou da Água), os Barasana são Povo da Terra e os Tatuyo estão na categoria de Povo do Céu. 

Cada um desses grupos tem um ancestral-Anaconda, mas anacondas na água são outra versão de jaguares na terra ou de harpias no céu- em um mundo transformacional e perspectivista, os maiores predadores do céu, da terra e da água são equivalentes e complementares. 

Assim como pessoas que estão na mesma "camada" são do mesmo tipo e não podem casar entre si, os casamentos entre diferentes grupos exogâmicos possuem dimensões cósmicas.

Os Barasana, por exemplo, tendem a casar-se com os Bará, e estes também costumam casar-se com os Tatuyo. É possível vislumbrar esse sistema em um mito barasana que tematiza sua origem. 

Yeba, ou "Terra", o ancestral Barasana em forma de jaguar, casa-se com Yawira, uma mulher -peixe guaracu, filha da Anaconda Peixe, o ancestral dos Bará. 

Yawira então abandona seu marido Yeba e foge com Yuka, o urubu-rei que é uma manifestação do ancestral Tatuyo, que é também a Anaconda do Céu e Jaguar (Eagle-Jaguar). Outros grupos Tukano têm diferentes versões para esse mito, nas quais os nomes dos personagens podem mudar, mas a lógica é a mesma.


Em termos simbólicos, a maloca é o universo e o universo é uma maloca. O teto de palha é o céu, os esteios de suporte são as montanhas, as paredes são as cadeias de serras que parecem cercar a paisagem visível na beira do mundo, e sob o chão corre o Rio dos Mortos. 


A maloca tem duas portas: uma no leste que é a dos homens, ou a "porta da água"; outra das mulheres a oeste, com uma longa cumeeira que corre ao longo do teto da casa entre as duas portas, que é "o caminho do Sol". 

Nessa região equatorial, os rios subterrâneos correm do oeste para o leste, ou da porta das mulheres para a porta dos homens; completando um circuito fechado da água, o Rio dos Mortos corre do leste para o oeste.

A maloca tanto é o universo, como também é um corpo, ao mesmo tempo o "corpo canoa" do ancestral-Anaconda e os corpos de seus filhos nele contidos. 

Esses filhos são os habitantes da casa, réplicas do ancestral original, receptáculos de futuras gerações e, eles mesmos, futuros ancestrais. Mas, se a maloca é um corpo humano, sua feição também é uma questão de perspectiva. 


Do ponto de vista masculino, a frente pintada da maloca é um rosto de homem, a "porta dos homens" é sua boca, a viga mestra e as laterais são a sua coluna e costelas, o centro da casa é seu coração, e a porta das mulheres o seu ânus. 

Do ponto de vista das mulheres, a coluna, as costelas e o coração permanecem os mesmos, mas o resto do corpo é invertido: a porta das mulheres é a sua boca, a porta dos homens a sua vagina e o interior da casa o seu ventre.

De tais princípios de replicação e transformação dão-se uma série desdobramentos. Se os rios correm através da casa-universo e o corpo é uma espécie de casa, segue-se que as tripas e os genitais humanos são "rios"; e, ainda, que os vermes parasitas são "anacondas". 

Há uma história divertida que descreve o universo do ponto de vista de um verme: quando o seu hospedeiro humano bebe caxiri (cerveja de mandioca), a chuva fica grossa e pegajosa; quando ele ingere farinha, chove pedras; e quando ele come beiju, chove grandes rochas. 

Essa narrativa ilustra um ponto importante: por vezes os mitos explicitam a cosmologia, mas com mais freqüência a cosmologia simplesmente está subentendida ou implícita e as pessoas devem pô-las em prática por conta própria. Especialistas religiosos são aqueles que possuem maior habilidade para "ler" o que está por trás das narrativas sagradas.


Os Tukano compartilham uma noção de reencarnação segundo a qual, quando uma pessoa morre, um aspecto de sua alma volta para a "casa de transformação", local de origem do grupo. Depois, a alma volta ao mundo dos vivos encarnada em um recém-nascido que recebe o seu nome. 

As pessoas recebem o nome de um parente recentemente falecido do lado paterno, o avô paterno para um menino ou a avó paterna para uma menina. Cada grupo possui um conjunto limitado de nomes pessoais que vão sendo retransmitidos a cada geração. 

O aspecto visível dessas "almas-nomes" são os cocares de penas usados pelos dançarinos, que também são enterrados com os mortos. O rio do "mundo inferior" é descrito como repleto de ornamentos, assim como na história de origem os espíritos dentro da Canoa-Anaconda tiveram a forma de ornamentos de dança.


Sepultadas em canoas, as almas dos mortos caem para o rio do "mundo inferior". De lá, são levadas pela correnteza do rio subterrâneo para o Oeste e às regiões rio acima deste mundo. As mulheres não dão à luz na maloca, mas numa roça no interior da floresta, rio acima e atrás da casa - também ao Oeste. 

O recém-nascido é primeiramente lavado no rio e depois levado para dentro da maloca pela porta traseira, a "porta das mulheres". 

Confinado dentro da casa por cerca de uma semana com seu pai e mãe, ele é então banhado de novo no rio e recebe um nome. Assim, em termos cosmológicos, os bebês de fato vêm das mulheres, da água, do Oeste.

Em discursos míticos e xamânicos, os animais são gente e habitam mundos aparentemente semelhantes ao mundo dos seres humanos: vivem em comunidades organizadas em malocas, plantam roças, caçam e pescam, bebem Caxiri, usam ornamentos, participam de festas inter-comunitárias e tocam seus próprios Yurupari (flautas sagradas que representam os primeiros ancestrais).


Todas as criaturas que podem ver e ouvir, que se comunicam com os do seu grupo e que agem intencionalmente são "gente" - mas gente de espécies diferentes. São diferentes porque têm corpos, costumes e comportamentos diferentes e vêem as coisas de perspectivas corporais distintas. 

Assim como as estrelas vêem os humanos como espíritos mortos, os animais vêem eles mesmos como humanos e vê os humanos como animais. 


Aos olhos do urubu, quando os humanos vão pescar, eles pescam cadáveres apodrecendo e fisgam tapuru (conhecido como "bicho de pau"); aos olhos do jaguar, os humanos são predadores perigosos que bebem sangue como se fosse caxiri; para os peixes, para quem a água é seu "ar", é impressionante que os humanos não saibam respirar "debaixo da água". Os humanos, por sua vez, logicamente vêem as coisas de outra perspectiva.

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HIXKARYANA
Nomes alternativos: Hixkariana, Hishkaryana, Parukoto-Charuma, Parucutu, Chawiyana, Kumiyana, Sokaka, Wabui, Faruaru, Sherewyana ,Xerewyana,
 Xereu, Hichkaryana.


Classificação linguística: Caribe
População: 804 (censo de Maio, 2001)
Local: Amazonas, Rio Nhamundá acima
 até os rios Mapuera e Jatapú.

O universo mitológico Hixkaryana é muito familiar à mitologia sul-americana. Em geral, os mitos falam sobre um passado pré-cósmico no qual não havia distinção rígida entre humanos e não-humanos, ou melhor, um passado no qual a condição humana era coextensiva à natureza.

Além disso, as narrativas míticas revelam humanos na condição de animais, tentando domesticar as plantas, adquirir o fogo de cozinha, enfim, tentando viver em sociedade tal como muitos outros animais, paradoxalmente, já faziam. 

Dois outros temas importantes são: as diferenças mínimas construídas ou experimentadas, no plano do pensamento, a partir de figuras ou estruturas semelhantes, como no exemplo dos irmãos gêmeos; ou as diferenças mínimas entre membros da mesma espécie, como os gaviões ou as araras.

A seguir, dois mitos que giram
 em torno dessa temática.

 O primeiro deles, intitulado Mawari e Woska, fala desses “cunhados” semelhantes e diferentes, que são os antepassados dos Hixkaryana, e foi contado em abril de 2010 pelo “dono” da aldeia Matrinxã, Antônio Mauasa. 

Os Waiwai também possuem uma versão deste mesmo mito para falar de seus antepassados. O segundo é intitulado Yaimo e também foi narrado em abril de 2010 pelo “dono” da aldeia Torre, Afonso Ahtxe.



MAWARI E WOSKA (por Mauasa)

Naquele tempo, na aldeia dos Kamarayana [“povo onça”], uma velha protegia duas pequenas criaturas que tinham nascido a partir de dois ovos de jabuti: Mawari e Woska. 

Ela colocava-os para crescer debaixo do telhado, das folhas que cobrem o teto da casa e os mantinha ali em segredo. Pela manhã, a pedido da velha kamarayana, as onças da aldeia saíam para caçar. 


A onça pintada tomava uma trilha, a onça vermelha pegava outra trilha. Logo em seguida, de repente, por volta das 7 horas da manhã, a onça pintada já estava de volta, logo trazia sua caça. Já a onça vermelha só voltava com sua caça no final do dia, bem mais tarde.

Quando a onça pintada entrava na aldeia, entrava na sua casa, o seu estômago começava a rugir: grou, grou, grou! “Estou sentido cheiro de gente, quem está aí?”. 


A velha respondia: “Não, não há ninguém aqui.” Mais tarde, chegava a onça vermelha, e seu estômago também começava a rugir: grou, grou, grou! “Estou sentido cheiro de gente, quem está aí?”. A velha respondia: “Não, não há ninguém aqui”.

No dia seguinte, a velha kamarayana renovava seu pedido para que as onças fossem caçar. Enquanto as onças encontravam-se fora da aldeia, a velha tirava Mawari e Woska do teto da casa e colocava-os no chão para comer e crescer. 

Quando a primeira onça, a pintada, chegava da caça, o seu estômago novamente começava a rugir: grou, grou, grou! “Estou sentido cheiro de gente, quem está aí?” A velha respondia: “Não, não há ninguém aqui”. Depois era vez do retorno da onça vermelha, e a mesma pergunta e resposta repetiam-se.

No dia seguinte, o mesmo acontecimento sucedia-se e, assim, dia a dia, as criaturas cresciam, até o dia que não tiveram mais medo das onças e puderam sair elas mesmas para caçar.

Já no meio do mato, Mawari plantava uma árvore de bacaba (kumu), Woska, atrás dele, plantava uma árvore de bacabinha (tatinu); Mawari plantava uma castanheira (tîtko), Woska, atrás dele, plantava um outro tipo de castanheira (awanama); Mawari plantava um pé de buriti (ikako), Woska, atrás dele, plantava um outro tipo de buriti (karanaru); Mawari plantava um pé de banana (tuxkma), Woska, atrás dele, plantava um pé de banana selvagem.

Naquele tempo, os dois heróis não possuíam mulher. Mawari foi pescar, e pescou um peixe que era uma mulher, muito bonita, ficou com ela. 

No dia seguinte, Woska também quis uma mulher, então, Mawari convidou-o para ir colocar timbó no rio. Pegaram uma piranha, que foi dada a Woska. Contudo, quando estavam fazendo sexo, a piranha cortou o pênis de Woska, e este nunca pôde ter filhos.

Naquele tempo, Mawari não tinha roça e buscava mandioca no mato. Ali havia uma árvore que não possuía galhos e nem folhas, era repleta de mandioca. Dizia para sua esposa, vou no mato buscar mandioca. “Onde vai buscar mandioca? Debaixo da terra, onde as mandiocas estão enterradas?”, Perguntava a esposa. 

“Não, lá no mato há uma árvore, basta eu chegar debaixo dela, balançá-la, para que a mandioca caia lá do alto no chão”, respondia o marido. No dia seguinte, a esposa foi no lugar indicado pelo marido onde havia a “árvore” de mandioca, mas nada encontrou.

Sozinho, voltou o marido no lugar onde havia a “árvore” de mandioca, balançou-a, do alto caiu o fruto, levou-o para casa. Passou muito tempo para que a mulher desenvolvesse seu próprio jeito de coletar mandioca.

Os antepassados do povo kamarayana são filhos de Mawari, criados numa aldeia do povo kamarayana. Ali aprenderam finalmente a cultivar plantas e a plantar roças. Assim é como é: éramos nós assim mesmos. Éramos nós que éramos assim. É só isso!

 A lógica aqui é que o herói Mawari sempre tenta “plantar” as coisas perfeitas, enquanto Woska, ao imitá-lo, “planta” sempre uma coisa de menor valor ou imperfeita, isto é, desvirtua o ato do irmão.


YAIMO (por Ahtxe)

Antigamente havia um homem que vivia sozinho, era pequeno e magro. Ele pegava seu arco e sua flecha e ia caçar no mato. Debaixo das árvores avistava lá no alto um grupo de macaco guariba. 

Então, ele, o homem, que era pajé, transformava-se em gavião grande (yaimo), voava para a copa das árvores e abatia o macaco. Descia da árvore, pegava sua flecha e furava sua presa.

Ao retornar para a aldeia, exibia a caça para os seus companheiros: “Olhem o macaco que cacei, olhem o lugar onde acertei a flecha”. Ninguém suspeitava de seu segredo. Uma mulher então pensou: “Vou casar-me com este caçador, não é que ele é bom de caça mesmo?”.

Depois disso, chamou o marido: “Vamos caçar guariba?”. Foram. No meio do caminho o marido disse: “Fique aqui, volto daqui a pouco”. De repente, o homem-Yaimo já estava lá, debaixo da árvore, furando com a flecha dois macacos já abatidos.

 De longe, a mulher olhava escondida: “O que será que ele está fazendo? Ele parece um bicho! Será que ele não é gente, está me enganando?”.

De volta os dois para a aldeia, o marido dizia para o sogro e os cunhados: “Vejam o que matamos, guaribas!”. E sua esposa, mandava: “Dê um macaco para o seu sogro, vamos dividir, o outro é para nossa casa”.

Depois disso, a mulher contou o segredo para o pai dela: “Meu marido matou sim os guaribas, mas não foi com a flecha”. “É mesmo, será que é verdade?”, perguntou-se o pai.

Nisto a filha estava pensando: “Não quero comer essa caça, não foi gente que a matou, foi como se outro bicho a tivesse matado, não quero contaminar meu corpo, a caça que é caçada por outro animal não é a mesma coisa daquela que é caçada pelo homem”.

“É verdade o que a minha filha contou?”, perguntou o sogro ao genro. Este, então, ficou com muita raiva pelo fato da sua mulher ter revelado o segredo. O marido, que era um gavião grande, pensou: “Vou mordê-la, vou matá-la”. 

Foi assim que um dia, quando a mulher foi buscar batata na roça, o gavião grande agarrou-a pelas costas e voou com ela para a copa de uma árvore grande (Wayana). O pai, de longe avistou: “O gavião está levando minha filha, ele subiu com ela lá naquela árvore”.

Na aldeia, o pai da moça conversou com seus parentes: “Minha filha desapareceu, o gavião grande não vai voltar mais com ela. O que vou fazer?”. Reuniu a família: “Vamos lá matar o gavião grande, precisamos de muita gente, ele está muito grande”. O pessoal reuniu-se, armado com arco e flecha. 

O gavião começou então a rondar a aldeia, aproximou-se, pousou em cima de uma árvore, passou o dia todo lá, sentado, gritando: “Uchim, uchim uchim! Provou de carne de gente, gostou, está querendo mais! Ele, o homem-gavião, não parece gente, é animal mesmo!”. 

Os caçadores da aldeia, perguntaram-se: “Onde ele está?”; “Está em cima da árvore, lá no alto!”. Chegaram lá debaixo: “Quem vai matar, quem flecha bem?”. “Eu, eu sou bom caçador”, disse um homem. “Está bem, pode matar”, autorizou um outro. A flecha foi atirada, mas muito fraca, e o gavião que estava lá no alto não foi atingido. 

O gavião estava alegre: “Não vão me acertar!”. Um segundo caçador disse: “Você já errou, dê-me uma flecha mais grossa, arco mais forte, uma flecha mais dura, vou acertá-lo”. Lançou a flecha duas vezes, acertou duas vezes o gavião. Na segunda vez, o gavião abriu as pernas, abriu as asas, e suas penas voaram. 

Lá de cima da árvore as penas esvoaçaram, espalharam, caíram, formaram outros pássaros, semelhantes ao gavião, entre eles, o papagaio, um gaviãozinho, o karauka (um tipo de águia predadora do mutum), o wikoko (um tipo de águia predadora do tucano, do jacamim e do nhambu), o orinhuru (um tipo de águia maior, predadora do caititu, da cotia, da paca e da cobra grande).

Ahtxe (o narrador do mito) conclui sua narrativa: “Isso aconteceu no passado e é tudo verdade. Quando eu vivia no alto rio Nhamundá, certa vez, fui fazer uma canoa no meio do mato, quando estava de volta para a aldeia, o gavião atacou e levou meu cachorro vermelho, comeu-o. Fui atrás do gavião, queria matá-lo, mas não consegui”.

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HUPDA
Nomes alternativos: Hupdé,
Hupdá Makú, Jupdá Macú, Makú-Hupdá,
 Macú De Tucano, Ubdé
Classificação linguística:
 Maku (Puinave, Macro-Tucano)
População: 1,208 no Brasil (1995 SIL); 
150 na Colômbia (1991 SIL);
 1,350 nos dois países
Local: Rio Auari, noroeste de Amazonas

Já se tornou moeda corrente entre os regionais e na literatura etnográfica sobre o Noroeste Amazônico a distinção entre os chamados “índios do rio”, de fala Tukano e Arawak, e os “índios do mato”, de fala Maku. 

Enquanto os primeiros são agricultores que fixam suas aldeias nas margens dos rios navegáveis, os Maku vagam nos divisores de água, estabelecendo-se temporariamente onde encontram condições ecológicas favoráveis à caça e adequadas ao modo como eles costumam resolver seus conflitos internos: “quando a gente se desentende, a gente se espalha no mato e fica lá até a raiva passar.”


MITOLOGIA

O universo Maku tem a forma de um ovo em pé, com três andares ou "mundos": (1) o "mundo das sombras", subterrâneo de onde vêm todos os "monstros", tais como os escorpiões, as onças, as cobras venenosas, os índios do rio e os brancos; (2) o "nosso mundo", isto é, a floresta e (3) o "mundo da luz", acima do céu, onde vivem os ancestrais e o criador - o Filho do Osso (possível alusão ao pênis, também chamado de osso). 

Luz e sombra são as duas substâncias básicas de que se compõem todos os seres, em proporções diversas. 

Luz é fonte de vida. Sombra é fonte de morte. No "nosso mundo", as folhas e as frutas são os seres que mais concentram luz, ao passo que os carnívoros são os que mais concentram sombra. 

Por isso, é melhor não comer carnívoros, mas tão somente herbívoros. No mundo da luz, após a morte, as pessoas se alimentam de deliciosos sucos de frutas e se tornam eternos adolescentes.

O principal ciclo mitológico dos Maku relata a epopeia do Filho do Osso - Idn Kamni em Bara, Kegn Teh em Hupda, Ku Teh em Yuhupde. Trata-se do sobrevivente de um incêndio que pôs fim à criação anterior, cujas tentativas de recriar o mundo resultam numa série de trapalhadas: por causa delas, existem as brigas, as doenças e a morte. 

Após ter sua mulher raptada pelo irmão caçula, o Filho do Osso se retira definitivamente deste mundo, indo morar no mundo da luz, acima do céu e dos trovões, que às vezes emite em expressão de desagravo. Coincidência ou não, na vida real os irmãos costumam brigar entre si, em disputa pelas mesmas mulheres, suas afins, conforme o sistema de clãs.

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 JAMAMADI
Nomes alternativos: Yamamadí,
 Kanamanti, Canamanti
Classificação linguística: Arawak
População: 884 (Funasa – 2006)
Local: Amazonas, espalhados sobre 512.000 km2


Os Jamamadi fazem parte dos povos indígenas pouco conhecidos da região dos rios Juruá e Purus que sobreviveram aos dois ciclos da borracha, em meados do século XIX. Nos anos 1960, foi previsto seu desaparecimento como grupo diferenciado, mas a partir daquela época os Jamamadi conseguiram se recuperar, tanto em termos demográficos quanto culturais.


Quase não há relatos sobre a religião étnica e a mitologia. Rangel, no entanto, dedicou uma parte de sua tese a teorias sobre o xamanismo Jamamadi, interpretando-o como responsável pela fissão das comunidades. 


Nossos conhecimentos sobre rituais e festas Jamamadi também são muito fragmentários. Uma das festas mais importantes parece ser a iniciação feminina, isto é, uma série de rituais que marcam a transição das meninas para o status de adultas.

O que pode ser observado com facilidade, no entanto, é o apreço ao rapé (sina) na vida cotidiana. Ele é feito de folhas verdes de tabaco, que são tostadas, secadas e socadas dentro de um ouriço de castanha-do-pará. Acrescenta-se ao pó uma porção de cinza de cacau. O rapé é consumido em diversas ocasiões.



Os Jamamadi praticam o "ritual do chinã" (trata-se do aportuguesamento do termo indígena sina, que significa rapé), no qual toda a família participa. 

O dono da casa coloca uma porção de sina numa folha verde e a segura na palma da mão, então ela é passada de um para o outro, sendo usado um osso da perna do gavião para a inalação. O orifício do osso é alisado com cera para facilitar adaptá-lo à narina. Depois se limpa o interior do osso com uma pena.

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JARAWARA
Nomes alternativos: Jaruára, Yarawara, Jarauara
Classificação linguística: Arawá
População: 180 (Funasa – 2006)
Local: Seis aldeias dentro da área
 indígena Jamamadi-Jarawara,
no município de Lábrea, Amazonas.

A reserva fica perto do rio Purus,acima de Lábrea e no lado oposto do rio. Os Jarawara pertencem aos povos indígenas pouco conhecidos da região dos rios Juruá e Purus. 

Eles falam uma língua da família Arawá e habitam apenas a Terra Indígena Jarawara/Jamamadi/Kanamanti, que é constantemente invadida por pescadores e madeireiros.

O cosmos Jarawara está divido em quatro lugares distintos: a terra, o céu, as águas e abaixo da terra. O céu e a terra são extremamente parecidos, e são habitados pelos mesmos tipos de seres: humanos, animais, plantas, espíritos de animais e plantas, e monstros. 

No entanto, o céu parece ser em uma versão melhorada da terra. Lá todo mundo é jovem e belo, e os caçadores conseguem carregar uma anta sozinhos. Existe ainda um céu mais acima do céu, onde mora Jesus, mas este os Jarawara não conhecem e não sabem descrever, pois os xamãs nunca o visitaram, ao contrário do céu “perto”, que eles vão e vem quando bem entendem. 

Abaixo da terra moram os espíritos de algumas plantas, como a mandioca, e também os “espíritos velhos” (Inamati bote) que são canibais e sobem à terra constantemente atrás de humanos para suas refeições. E, finalmente, nas águas e rios moram os monstros mais perigosos dos cosmos, os Maka (que literalmente significa cobra), que têm a capacidade de transformação corporal e podem ser vistos tanto em forma humana como em forma animal. 


Os Jarawara vivem na terra e estão sempre atentos para não terem suas almas raptadas pelos outros seres (terrestres ou não), mas, como explicaremos abaixo, eles possuem também laços de parentesco bastante estreitos com os habitantes do céu.

Para os Jarawara, quando as árvores e plantas cultivadas estão começando a crescer (ainda estão “baixas”) seus espíritos saem debaixo da terra e começa a chorar. Os espíritos que moram no céu ouvem o choro e descem para buscar esta “criança”. 

Eles a levam para o céu, onde ela é adotada ou vai morar com o espírito de algum Jarawara consanguíneo que morreu. Este espírito de planta, que agora mora no céu, é considerado tanto “filho” da pessoa que o plantou como “filho” da planta da qual saiu. Eles dirão, por exemplo, que ele é “filho do Okomobi” e “filho da banana”, mas ao mesmo tempo ele também é filho adotivo daqueles que o criam no céu.


Quando uma pessoa morre na terra, ela é enterrada ao lado de uma das árvores que plantou. Depois de alguns dias, ou no cair da noite do próprio dia do enterro, os Jarawara afirmam que diversos “seres” saem da cova, ou melhor, saem de dentro do corpo (mais especificamente da barriga e do fígado). 

Eles são pelo menos três dos seguintes: um espírito de onça, um espírito (Inamati), um monstro (Yama), e um animal, como macaco, gavião ou anta. Cada um destes seres terá uma destinação particular. O animal irá vagar pela terra e poderá ser caçado por um Jarawara a qualquer momento. 

O espírito da onça será levado por um xamã do céu que irá domesticá-lo. O monstro será levado por um espírito de planta benfeitor, que o prenderá em algum lugar não conhecido, ou vagará pela terra, atormentado a vida de todos, pois será canibal. 

O espírito que sai como espírito mesmo poderá ter uma das duas destinações descritas abaixo, ou pode haver dois espíritos que saem da mesma pessoa, cada qual indo para um lugar. 

A primeira opção é que os “filhos” e “netos” do indivíduo morto venham buscá-lo para levá-lo ao céu. Estes “filhos” e “netos” são de fato aqueles espíritos que saíram das plantas que o indivíduo plantou no decorrer de sua vida.

 Ou seja, quanto mais árvores um Jarawara plantar, mais “filhos” ele terá no céu. Assim que chegar lá, o espírito do indivíduo que morreu ficará alguns dias na aldeia de seus “familiares” descansando. 


Terminado este período, ele será levado para outra aldeia do céu, onde passará pelo ritual de iniciação feminina, sendo ele homem ou mulher. Neste ritual, ele será chicoteado (como ocorre com as meninas na terra) e quando as feridas cicatrizarem, ele poderá voltar para a aldeia de seus “filhos” e “netos”, sempre no céu, onde permanecerá junto a seus “parentes”.

A segunda opção para um espírito que sai de dentro de uma pessoa morta é que ele chame seus “filhos” do céu (espíritos que saíram das plantas que ele cultivou em vida) para virarem queixada. Todos eles descem até a terra, onde os “filhos” de outras pessoas (espíritos de plantas que pessoas que vivem na terra plantaram) batem neles com um bastão para que se transformem em queixada.

 O morto e seus “filhos” se tornam queixada e passam a morar na terra, também suscetíveis de serem caçados e comidos pelos Jarawara a qualquer momento. O espírito da pessoa que morreu, e que chamou seus “filhos” (das plantas) para virarem queixada, será o “dono (Hitiri) dos queixadas”, ou melhor, o dono deste bando de queixadas. 

Este espírito pode aparecer para os xamãs Jarawara sem avisar nem ser chamado, e informar onde estão os queixadas, o que resultará em uma caçada bem sucedida pelos homens se eles forem ao lugar indicado. 

Ao mesmo tempo, este espírito “dono dos queixadas” (que é, recordamos, um Jarawara falecido) possuí vínculos de parentesco com os vivos, e assim, se um grupo de queixadas é visto bem perto da aldeia, os Jarawara explicam o acontecimento dizendo que o “dono, nosso parente, teve saudades dos seus e veio visitá-los, mostrando o caminho e trazendo os seus filhos queixadas” (os quais os Jarawara matarão e comerão se pegarem suas espingardas a tempo).

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KATUKINA
Nomes alternativos: Tukuna
Classificação lingüística: Katukina
População: 450 (2007)
Local: Amazonas

Designa dois grupos indígenas, da família Katukina, que autodenominam-se Peda Djapá (“Gente da Onça”). Vivem em diversos grupos no rio Biá, afluente do Jataí e Amazonas. Existem aproximadamente 220 índios. 

Os Katukina de língua da Família Pano, vivem no rio Envira, nas margens do rio Gregório, juntamente com os Yawanawá, na área indígena Rio Gregório, Acre, e na área indígena de Campinas. Os Katukina já foram chamados, por muitos viajantes, como “índios barbados” por causa do costume de pintar a boca de preto. A troca de cônjuges é bastante comum, mas os filhos sempre ficam com a mãe.

A mitologia katukina faz parte do complexo regional, girando em torno de dois heróis culturais criadores do mundo, dos Tükuna, dos outros índios e do "branco": Tamakori e Kirak. Ao contrário dos Madiha e em conformação com os Kanamari, Tamakori exerce quase sempre o papel do sábio e Kirak o papel de quem estraga tudo. 


Mas são os estragos de Kirak que criam o mundo tal como ele é: por exemplo, por chorar na morte do seu filho condenou os Tükuna a não ressuscitarem após a morte. Ele é visto como uma criança, não fisicamente mas em relação ao saber, e a voz dele é de uma criança, sempre perguntando para o irmão o que vão fazer agora.

A jornada de Tamakori e Kirak entre os Katukina se diferencia dos Kanamari por não ser relacionada diretamente à criação dos rios e não se passar durante uma jornada rio abaixo. A origem da água terrestre é contada em um mito em que não aparecem Tamakori e Kirak. 

Todavia, a gesta de Tamakori e Kirak aparece bem como a formação do mundo atual, sendo o céu produto de sua ação, a partir de um pedaço de terra arrancado e levado pouco a pouco, ao som dos cantos do Kohana (principal festa Katukina). 

Tamakori e Kirak também dão origem às diferentes populações humanas, cada uma com seu conhecimento próprio, como as cidades para os brancos e os rituais Kohana e Alao para os Tükuna. 

O Kohana foi cantado pela primeira vez por Tamakori, e o Alao é o ritual de Kirak. Na jornada desses heróis também é criada a primeira mulher.

No fim do mito eles se separam, de modo que Tamakori vai morar no leste e Kirak no oeste, cada um com seu povo. Eles moram onde o céu encontra a terra e de lá não influem diretamente na vida dos Tükuna.

 Estão presentes através dos ciclos da lua e do sol comandados pelos mesmos, ou durante eventos como os arco-íris. A chuva também vem deles, chuva grande do leste por Tamakori e chuva rara e fina do oeste por Kirak.

A mitologia katukina não é formada unicamente pelo ciclo de Tamakori. Existem vários outros mitos protagonizados por animais sob forma humana ou humanos, chamados de pai kidak, termo de parentesco pelo qual são chamados os homens da geração dos bisavós. 


Nesses mitos são tematizadas as relações com animais, com espíritos de árvores ou seres poderosos como o Adyaba i tyai (um ogro devorador de criança, "Adyaba de dente comprido"), o Adyabatiri (dono do poder de caça que deu origem ao uso do veneno da Phyllomedusa, para fins propiciatórios). 

Segundo os Katukina, esses mitos explicam como os bichos viraram bichos mesmo, ou seja, explicam a diferenciação das espécies a partir de um mundo onde os animais têm atributos da humanidade, permitindo uma comunicação inter-específica.

Mas a mitologia katukina reflete também a história katukina. Por exemplo, no mito de Tokaneri, herói que viaja pelas aldeias transformando os habitantes em animais de acordo com o que eles comem. 


Os comedores de peixe viram ariranhas, os comedores de Oxi (fruta gordurosa) viram queixadas... E é com a ajuda de um livro que ocorre a transformação: ele simplesmente escreve no livro "quem come isso vai virar tal bicho" e pronto. 

No fim do mito ele morre engolido por uma sucuri gigante, antes de transformar toda a humanidade. Um segundo exemplo de mito incorpora a estória de Pedro Malazarte, presente no folclore nordestino e que circulava nos seringais. 

Para os Katukina, Pedro é um índio enganando o branco, e as aventuras são as mesmas, diferindo só na parte final, quando Pedro sobe ao céu, encontra Adão e Topana.

Este o manda de volta à terra para verificar o que aconteceu depois de um dilúvio. Lá Pedro começa a comer os mortos e se transforma em urubu, enquanto Topana desce com o livro para recriar a humanidade e os bichos.


COSMOLOGIA E XAMANISMO

Depois de organizarem o mundo tal como é hoje, Tamakori e Kirak se retiraram e não influenciam diretamente a vida cotidiana e ritual dos Katukina. 

A manutenção do mundo ocorre por meio do ciclo do sol, originado por Kirak e da lua, por Tamakori. Topana foi então incorporado no lugar central que ele tem nas religiões cristãs: no céu, ligado ao destino depois da morte. 

Todavia essa figura é instável e seu papel varia de acordo com o contexto, podendo ser um equivalente a Tamakori, ou então Tamakori pode "trabalhar" para ele, ou ainda ele pode estar num outro céu, dos brancos, nesse caso sem influência na vida e morte dos Katukina.

O mundo onde os Katukina vivem é um patamar intermediário entre dois céus e os mundos subterrâneos cujo conhecimento é menos difundido, podendo ser um só ou vários... O primeiro céu é o Kodohdi, que é formado por uma parte arrancada do "nosso mundo" por Tamakori e Kirak.



É ali que vivem os mortos dançando e comendo. Ele é similar a este mundo, com animais, frutas e espíritos. Acima dele há o Ipina, lugar mais triste ("tudo de ferro"), onde vão os que foram mordidos por cobra (mesmo sobrevivendo), aqueles que foram mortos e os matadores. Embaixo há o mundo dos Don Mïn Pönhiki, "gente das vísceras de peixe". 

Esse mundo é similar ao mundo dos Tükuna, mas lá a água é clara, pura, e a predação é limitada. Ali os humanos tem uma pele branca e caçam muito pouco, sendo mais pescadores, e lá não tem onça nem cobra. 


As passagens entre esse mundo e o dos Tükuna geralmente são nas cabeceiras dos igarapés, chamadas de Wiri mï, "buraco das queixadas". Esses lugares servem de ponto de fuga para as queixadas e outras presas das caçadas. 

No patamar inferior haveria também outros humanos, mas não se sabe muita coisa sobre esse mundo, pois não existem relatos de quem tenha ido até lá, como existe para o primeiro céu e o primeiro mundo subterrâneo.

O patamar dos Tükuna pode ser dividido em três grandes ambientes: o Ityonin, a floresta onde vivem os humanos; o mundo subaquático, domínio dos espíritos da água, os Hïmanya; e o mundo de dentro da terra, que é dos espíritos Baradyahi

A interação entre esses três ambientes constituem o cotidiano dos Katukina. O domínio de caça dos humanos e dos espíritos é o mesmo, a floresta (o Ityonin), nesse sentido são concorrentes. 

Esses espíritos tem relações especiais com alguns animais que são presas dos humanos, por isso é preciso ter muito cuidado para andar no mato ou remar no rio, afim de não despertar sua ira. Em certos casos esses espíritos podem ser considerados protetores de algumas espécies de animais.

O termo usado para designar os espíritos é Owei, mas esse termo não se aplica só às entidades que moram no patamar dos Tükuna, mas também àquelas no patamar celeste. 

Os Owei celestes interagem de maneira diferente com os Katukina e são fundamentais nas festas.


OS " ESPÍRITOS" DA TERRA...

O primeiro tipo de espírito que pode se encontrar no patamar onde vivem os Katukina são os ogros Baradyahi e Hïmanya. Esses seres não moram na terra, mas podem ser vistos caçando na floresta. Os Baladyahi moram dentro da terra em aldeias grandes, são pretos e podem subir na terra pelos barrancos. 

Os Hïmanyan são a contra-parte aquática dos Baradyahi, provocando as turbulências nas águas. São descritos ora como grande cobra, ora como boi (quando saem da água), mas podem ter aparência humana (especialmente para o xamã). 

De fato existem vários tipos de Hïmanyan e esse termo designa ora todos os espíritos da água, ora um especifico associado às piranhas, o qual aparece sob forma de cobra. Existe também o espírito Hïdak, protetor dos quelônios, e o espírito Kotomoknin, protetor das antas.


Os Baladyahi eram Tükuna, mas por terem matado e queimado Kilak, Tamakoli os levou ao barranco e os deixou afundarem no barro. Os Hïmanyan moram na água, sendo o tracajá seu banco, a sucuri sua corda e o jacaré sua “vovó”.

No mato vivem os Owei das árvores, pequenos espíritos ligados a algumas espécies altas. Eles moram na árvore em casal, o macho na copa da árvore e a fêmea nas raízes. Normalmente são invisíveis, mas se você fica por alguma razão uma noite no mato, pode ouvir e até vê-los. 

Esses espíritos são temidos pelos Katukina em virtude de seus poderes xamânicos e capacidade de roubar almas (Wäko tan) para transformá-las em espírito (sobretudo os Hïmanyua e Baradyahi).

Eles são atraídos pelo cheiro do sangue, que indica que um animal protegido foi matado, bem como o cheiro do sangue menstrual, o que leva os Katukina a tomarem grande cuidado na hora de cortar presas ou peixe (longe da água, cuja correnteza levaria o cheiro para lugares aonde têm espíritos), e traz restrições para o casal em resguardo pós-parto ou durante a menstruação (como não tomar banho no rio, e evitar sair na floresta...)

Ao contrário dos outros, o terceiro tipo de Owei que pode se encontrar na terra é menos temido, o “Owei alma”. Esse é um dos componentes da pessoa que se separa no momento da morte, quando diversas “almas" são liberadas ou aparecem e cada uma delas tem seu próprio destino “Pos-mortem”:


-Wäko Tan, “alma verdadeira”, aquela que tem um destino pos-mortem no céu, onde passa a viver como na terra. Inicialmente ela sai do corpo e sobe diretamente. Quando viva manifesta-se pela fala, koni, e sob a forma do sangue (Mimï) e do coração (Diyahkon). Essas emanações vão para o céu, pois o morto “não precisa mais delas”. É essa alma que é o alvo dos ataques dos espíritos.

- Alma Owei, é dita um resíduo da alma verdadeira que não sobe ao céu, sendo possivelmente um tipo de sombra, ou duplo. Ela pode tomar a forma de um rato e ficar perto das aldeias, vigiando os parentes do defunto e carregando sua saudade. Pode provocar leve doença, principalmente diarreia, mas não por maldade, não tendo poder xamânico.

- Alma onça, Pïda, essa é a parte em nós que gosta de comer carne, visível através do “sangue grande”. Essa alma vai virar uma onça de verdade, a menos que um pajé a capture.

- Alma boto cor-de-rosa, Wapikaru, contra-parte aquática da alma onça, corresponde a parte em nós que gosta de peixe; ela é visível através do pulso, mas não nos braços. Se não é familiarizada pelo pajé, vira boto de verdade.

- Alma lontra pequena, Wodyon, corresponde ao pulso e veias dos braços. Como as duas precedentes, vira lontra se não for familiarizada pelo pajé. Os espíritos auxiliares do xamã

Os espíritos auxiliares do xamã, tanto na espionagem quanto nas comunicações com outros xamãs ou na guerra, são também chamados de Owei. Portanto não são nem espíritos das árvores familiarizados, nem Baladyhi ou Hïmanyan. 


São também considerados pajés por seus poderes de agressão. Os Owei auxiliares do pajé são de fato uma “criação” dele, que passa por um processo de captura ou familiarização das diversas almas dos mortos.

O xamanismo Katukina é muito parecido com o xamanismo Madiha e Kanamari, localmente chamados de xamanismo de "pedra", pois usam agentes patogênicos que podem ter a aparência de pedra, em Kanamari e Katukina, Dyohko. É ele que provoca a doença e, na cura, o xamã tem que extrair o Dyohko do corpo do paciente afim de assegurar sua recuperação. 

Para se tornar xamã é preciso aprender a controlar um dyohko que um outro xamã vai colocar em você, o qual vai permitir a comunicação com o mundo dos espíritos e a aquisição de mais Dyohko, sugando os dos pacientes ou trocando com outros pajés. 

Mas a diferença entre o xamanismo entre os Katukina e os Kanamari está no fato que os Dyohko não são as únicas ferramentas dos xamãs, pois eles têm a possibilidade de controlar e até criar espíritos a partir de partes de animais, como pelos do jaguar, mas sobretudo a partir das almas.


À exceção das “almas verdadeiras”, todas podem ser familiarizadas pelo pajé por meio de técnicas específicas. Assim, para conseguir uma alma-onça ele vai ter que lutar e capturá-la, o que só é possível aos Baohi tan (baohi=pagé; tan=verdadeiro). Com as outras almas basta conversar e negociar. 

Mas essa familiarização é só o início do processo que vai converter essas almas em auxiliares do xamã. Uma vez as almas sob controle, dentro da barriga dele, o pajé deve pouco a pouco moldá-las, colocando dyohko nelas. 

No caso da onça, para torná-la mais forte e convertê-la numa arma poderosa que pode ser enviada longe para matar. São esses espíritos auxiliares que o pajé envia para espiar uma aldeia inimiga, ou para dizimá-la. Já falei que pajé se diz baohi, mas pode também ser designado por Owei wara-hi, que significa “dono-corpo” de Owei. 

De fato o poder do xamã está na capacidade de conseguir espíritos auxiliares, e não nas coleções de dyohko que pode adquirir.


OS ESPÍRITOS CELESTES

Os espíritos celestes são bem diferentes daqueles dos patamares inferiores, pois não são espécies, mas sim personagens individualizados. Contudo, são também chamados de Owei. 

Esses espíritos têm nomes e aparência específica. Por exemplo, o Kodomari é descrito com uma aparência humana, grande, branco e de cabelo preto e comprido. Eles são poderosos e temidos pelos katukina, pois podem mandar dyohko potentes.

No entanto, eles não são deuses caçadores de humanos, e descem à terra apenas nos rituais. A cada ritual um ou dois desses deuses descem nas aldeias para verificar se os Tükuna estão fazendo como tem que ser feito. 

Esses deuses vêm para vigiar as festas e beber os diferentes mingaus, mas têm uma vida própria e podem brigar até se matar. Se há coisas erradas nos Tükuna, eles castigam mandando dyohko. Essa ligação com as festas faz com que eles possam ser nomeados em função da festa onde atuam. 

Assim, na festa Pïda, “onça” ou espírito se chama Pïda-wara. Aqui se reconhece a mesma sufixação de Wara (corpo-dono) usado para nomear os espíritos das árvores.

No primeiro patamar celeste as almas vivem como na terra. Dançam (o que provoca trovoadas), comem, caçam, têm roçados grandes, com muitas frutas de grande tamanho. No patamar celeste, devido a igualdade entre o mundo aonde vão as almas verdadeiras e o mundo terrestre, se encontram também os espíritos das árvores, mas eles não interferem na vida na terra. 

De maneira geral os produtos do roçado na terra foram trazidos por um ser celestial que casou com uma mulher Tükuna. No momento da morte as almas verdadeiras vão diretamente a esse mundo, mas elas podem voltar para beber água que foi deixada acima do túmulo onde se encontra seu corpo.


Nessa subida para o céu, há uma versão em que as almas chegam, são recebidas com festas, casam logo e passam a viver felizmente. O destino é diferente apenas para aqueles que foram mordidos por cobra, que vão atravessar esse patamar e entrar no Ipina.

 Lá vão também as almas dos matadores de gente e suas vítimas, as quais chegam primeiro para vingar a sua morte. Uma vez flechado, o matador cai de novo na terra e se transforma em cogumelos em árvores podres. Somente uma parte da alma volta para o Ipina, de tamanho menor.

Mas há também uma versão em que as almas não se vingam e passam a ser responsabilidade de Topana, o que ocorre fora do Ipina. Quando as almas chegam no céu, depois de terem evitado uma onça predatória, elas são recebidas por Topana, que vai furar-lhes os olhos. 

Quando escorregar, o líquido do olho vai se transformar em chuva (trovoadas e chuva são tidas como sinal que a alma chegou bem no céu, que teve olhos furados e dança). No caso dos matadores, Topana se recusa a furar os olhos e os manda de volta sob forma de cogumelo. 

Topana aparece então como um deus controlador do céu, julgando as almas dos recém mortos. Todavia, apesar de ser colocada numa posição importante no céu, a figura de Topana não se encontra presente na principal ligação que une os vivos com o mundo celeste: os rituais.

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 KAXARARI
Nomes alternativos: Kaxariri
Classificação linguística: Pano
População: 323 (Funasa – 2006)
Local: Alto Rio Marmelo, tributário do Rio
 Abuna, Acre, Rondônia, Amazonas

O cacique Alberto César, 54, conta que Kaxarari é nome atribuído pelos brancos, a autodenominação é Runí-cuní e a língua pertence à família linguística Pano. “Queremos resgatar as danças e a língua. Velho que morreu há três anos nunca viu a dança, mas guardou as histórias”.


Em 1924, uma epidemia de sarampo dizimou grande parte da população, em 1957-58 eram 13 famílias. Hoje são cerca de 400 pessoas divididos em 4 comunidades: Pedreira, Paxiúba, Barrinha e Marmelinho, que ocupam uma área de 145 mil hectares demarcados em 1987.


Os Kaxarari não mais praticam seus rituais tradicionais como o xamanismo. A principal técnica de cura dos pajés era a de sucção.

“Antigamente tinha pajé pra curar a gente. Quando adoecia, ele chupava no corpo e tirava aquelas pedras do corpo do doente e jogava a doença fora. Rezava pro doente ficar logo bom. Tomava rapé e Kupá pra curar. Sabia muitos remédio da mata, mas agora não, mais pajé não. Tudo se acabou” (Depoimento de Antônio Caibú, extraído de Os Kaxarari (1984) de Terri Vale de Aquino).

Não existem mais pajés entre os Kaxarari. Também faziam muitas comemorações e cantorias de roda. Era comum em suas festas fazerem vestimentas de palha do olho do buriti, enfeites de penas, couros de onça, máscaras e pinturas. 

Tinha a festa do Buiarri, que era a festa das frutas, quando todos iam para a mata apanhar ingá, naja, frutas de maçaranduba. Uma de suas brincadeiras era o Bili, um jogo de bola de caucho, jogado com o joelho, parecido com o futebol dos Cariú [não-índio].

O Kupá era uma prática xamânica que provocava estados alterados de consciência, que “dava porre, suava muito, fazia sonhar e curava”. Era uma espécie de lavagem feita por um tipo de planta.

A bebida Kupá, no princípio era restrita aos homens e ingerida somente pelos mais velhos. Mulheres e crianças não participavam do ritual de abertura dos trabalhos. 
Curiosamente houve casos de mulheres que atuavam como pajé e ministravam diagnósticos e curas de enfermidades de origem alegada aos espíritos. 

A cura muitas vezes era ministrada através do sopro de fumaça de tabaco sobre o local ou até mesmo todo o corpo do paciente (Biakintahi). Quando sob o efeito do Kupá, o pajé podia ver que tipo de enfermidade ou presença espiritual estava agindo no paciente.



As sociedades da floresta de um modo geral são ágrafas e de tradição oral. Dessa forma a memória de seus membros é a fonte de acesso às suas crenças, seu passado mítico, a genealogia, enfim a sua história como povo.

Cultivam suas tradições através da oralidade, dos relatos dos velhos e velhas de como era o tempo de antigamente, pois todos os povos tem uma explicação particular para a origem do mundo, dos objetos, dos animais, da criação do homem e da sociedade.

Essa transmissão de conhecimento não sendo compulsória ou pré-determinada depende de vários fatores, inclusive de tempo e de interlocutores apropriados a executar essas performances orais, muito valorizadas nas sociedades ágrafas. 


Como o espaço e o tempo de transmissão de conhecimento não são institucionalizados, a questão da sua realização esta interligada às relações pessoais, os dias de chuva, com o respeito que os velhos e o seu conhecimento antigo desperta nas gerações mais jovens, enfim, com o auto-respeito e o conceito de identidade que toda sociedade tem em maior ou menor escala.


O que há são fragmentos, lembranças de procedimentos, desorganizadas pela falta de interação entre as muitas gerações que separam a cultura desse povo e os dias de hoje.

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KAXINAWÁ
Nomes alternativos: Cashinauá,
 Caxinauá, Huni Kuin
Classificação linguística: Pano
População: 4.500 (CPI/AC – 2004)
Local: Acre, Amazonas

Os Kaxinawá pertencem à família linguística Pano que habita a floresta tropical no leste peruano, do pé dos Andes até a fronteira com o Brasil, no estado do Acre e sul do Amazonas, que abarca respectivamente a área do Alto Juruá e Purus e o Vale do Javari.


O conjunto de rituais que acontecem cada três ou quatro anos no Xekitian, tempo do milho verde (dezembro e janeiro), é chamado de Nixpupimá, “batismo” Kaxinawá. O Nixpupimá é um rito de iniciação. 

A partir do momento em que “comemoram” pela primeira vez Nixpu, os Bakebu (crianças) tornam-se Txipax e Bedunan, meninas e meninos. Eles são diferenciados pelo sexo e aptos a serem iniciados nas tarefas e nos papéis específicos de seu sexo.

O Nixpu é uma planta da mata cujo talo quebrado é batido repetidamente contra os dentes, tingindo-os de um preto brilhante. Este efeito é belo, estético para os Kaxinawá.

Na mitologia Isa hana (pássaro de sete cores) é chamado Nixpupia hawendua (lindo porque comeu Nixpu): tem o bico preto. Isa hana é um pássaro muito preocupado com a beleza. Sua própria plumagem já é bonita: azul com a cauda vermelha. 

Isa hana viu que Bixku txamini tinha o corpo coberto de perebas tão fedorentas que sua mulher o abandonou. Ixmi (o urubu rei) veio para comê-lo mas Bixku se defendeu e Ixmi perdeu um monte de suas penas brancas. Aí chegou Isa hana, que curou Bixku com plantas medicinais em troca das penas brancas que Ixmi perdeu. Com as penas brancas Isa hana se fez um lindo cocar para usar Nixpupima.

Os dentes enegrecidos fazem parte do Make-up para festas e rituais, assim como desenhar o corpo com jenipapo e pintar-se o corpo todo com a pasta vermelha de Urucum (Maxe), com óleo de amendoim (Tama xeni) ou de pupunha (Bani xeni), misturado com perfume (Ininti), um hábito que se tornou, pelo uso de roupa, mais raro hoje em dia. O Nixpu é considerado crucial para a saúde dos dentes; os Kaxinawá dizem que seu sumo os fortalece e protege.
Txidin.


O Txidin acontece anualmente no Xekitian, tempo do milho verde, ou depois de um rito funerário por uma morte importante (um chefe ou xamã). A saudade e a tristeza provocadas pela perda podem ameaçar a vitalidade e o bem-estar da comunidade, e o Txidin serve para reforçar a fé na vida e levantar o ânimo: sua finalidade é proteger os vivos.

O Txidin caracteriza-se pelos cantos Dewe (que contam a criação do mundo), pela dança do líder de canto (Txana Xanen Ibu) e seu acompanhante, aprendiz, sapateando de costas com búzios nas canelas e pelo vestuário do líder de canto.

É a única ocasião em que se usa o Cushima, um vestido comprido, todo Keneya (com desenho), um cocar (Maite) de penas brancas e penas vermelhas da cauda da arara, o Hawe (adorno pendurado nas costas), com penas de gavião e caudas feitas das penas do corpo de vários pássaros (Kuxu Dani, Hana dani etc.) e com a cauda do Coatipuru (Kapa hina).


O líder de canto, assim enfeitado, representa o Inca e seus aliados: o gavião (tete), o urubu rei (Ixmin), o Txana. O inca é ligado à metade dos Inubakebu (filhos da onça) e há todo um conjunto de associações simbólicas que giram ao seu redor: o milho, o frio, a vida eterna, o jenipapo e o sol.

A metade dos Duabakebu (filhos do brilho), por outro lado, é ligada à cobra, ao vermelho, à ciclicidade, ao apodrecimento, à lua. Trata-se porém de complementaridades contextualizadas, o que faz com que o significado de cada elemento no par mude segundo a situação.

O Txidin faz parte da seqüência do ritual do Nixpupimá. O líder de canto no Nixpupimá sapateia ao redor do fogo aceso perto do lugar, na casa, cercado com esteiras, onde estão os reclusos nas suas redes. 

Ele é vestido com as roupas do Txidin, do Inka, e as canções da primeira parte do ritual Nixpupimá contam a visita dos homens (Dua) à aldeia dos Inká (Inu).


O jovem informante de Capistrano contou-lhe que fazem parte da preparação da festa e Omã (Nixpupimá), a caça coletiva, a fabricação dos banquinhos (Kenan) a armação dos tene (o suporte para o adorno de pena de gavião), enfeite que caracteriza o Txidin. 

Depois são colhidos o nixpu e os espinhos de pupunha (Banin Muxa) para fazer a perfuração do lábio inferior e das narinas. A primeira parte desse rito de iniciação é uma corrida exaustiva de um lado ao outro do pátio, o dia todo; na mão da mãe, quando menina, e do pai, quando menino. Os meninos correm com as penas de gavião nas costas.


KATXANAWÁ...

O Katxanawá, ritual da fertilidade, existe em várias versões e pode iniciar o “festival” do Nixpupimá. Normalmente o katxanawá acontece várias vezes por ano. Visualmente o ritual é caracterizado pela dança dos Yuxin da floresta (cobertos dos pés à cabeça com a palha da jarina e pintados, nas partes que aparecem por baixo da palha do urucum) ao redor do tronco oco da paxiúba (Tau pustu, katxa). 

O tronco foi cortado, descascado e esvaziado dentro da mata, pelos homens da metade que ficou com o papel ritual de invasor.

Antes da campanha dos missionários contra o uso de bebida alcoólica, a caiçuma era guardada durante seis dias no tronco da paxiúba (tampada com folhas de bananeira) para fermentar. 

A aldeia dançava durante cinco dias ao redor do Katxa, e no sexto dia chegavam os convidados das outras aldeias para juntos tomarem a bebida fermentada (Muxetan). Somente uma pessoa me falou que a fermentação era acelerada pelo cuspe (costume ainda em uso entre os Katuquina e Yaminawa).


Com as visitas, o conteúdo do Katxa era esvaziado, dançando e bebendo a noite toda. Depois de vazio, o mesmo Katxa servia para receber o vômito: “vomitar é bom para a gente não ficar mole; é que nem o Nixi pae (o cipó), aí a gente vomita também para limpar a barriga e ficar forte. Vomita e aguenta de novo, né? Aí pode tomar mais, tomar sempre”. De madrugada o Katxa é levado de volta para a mata e destruído.

O Katxa é o símbolo do útero, e referência ao tronco oco onde foram criados os primeiros Kaxinawá. Este elemento feminino é enfeitado com tubos de macaxeira e banana, símbolos masculinos. 


Um grupo de homens, todos da mesma metade, começa a dança saindo da mata como Yuxin da floresta, que invadem a aldeia, cantando ho ho, ho ho. Este é o elemento central do rito: os invasores da floresta são inicialmente recebidos com hostilidade: a outra metade, que não foi para a mata, representa o “interior”, os Huni Kuin, e pega suas armas para receber os inimigos. 

Mas logo depois de se aproximar dos Yuxin da floresta, as aramas são deixadas de lado e os dois grupos dançam juntos ao redor do Katxa, chamando todas as plantas cultivadas pelos nomes.

Além da dança e do canto por uma safra abundante com a ajuda dos Yuxin da floresta, o katxanawá implica a troca ritual de caça e peixe entre as metades. Assim um verdadeiro katxanawá é precedido pela caça coletiva, por cada metade separadamente, de dez dias a duas semanas. 


De manhã é uma metade que dá, de noite, a outra. O mesmo acontece com a dança. No primeiro dia os Inubakebu vêm da mata e os Duabakebu recebem. No segundo dia os papéis são invertidos.

O katxanawá tem a característica de complementaridade entre os sexos. Ambos os sexos participam do ritual e esta participação tem conotações sexuais explícitas. Depois de ter chamado todos os tipos de banana, de mandioca e de milho, os homens começam a cantar insultos e provocações ritualizadas para as mulheres. 

Estas são respondidas imediatamente pelas mulheres, que formam uma linha de dança, com o braço segurando o ombro da vizinha, e correm em direção ao círculo dos homens tentando rompê-lo. 

Os cantos das mulheres têm um outro ritmo e um tom bem mais alto do que os cantos dos homens e elas tentam desafinar assim o canto dos homens. Esta troca competitiva de insultos é chamada de Kaxin itxaka (insultar o “morcego-vampiro” – uma metáfora para a vagina) e Hina itxaka (insultar a cauda – o pênis), uma brincadeira que provoca muita hilaridade.

FESTA DO FOGO NOVO...


Esta festa acontecia com o katxanawá mais do que uma vez por ano, e consistia em apagar o fogo velho e acender o fogo novo de forma ritualizada, precedido de uma caçada coletiva, que fornecia carne moqueada suficiente para vários dias de festa.

Jogava-se os restos do fogo velho fora e no dia de acender o fogo todo mundo ia tomar banho na madrugada. Hoje em dia a festa perdeu a sua razão de ser. Como os antepassados, os Kaxinawá agora fazem um fogo novo todos os dias.


NIXPUPIMA...

À noite, as crianças são chamadas para se reunir na casa do líder. Somente as crianças que perderam os dentes da infância e cujos dentes definitivos já cresceram estão prontas para a iniciação. Suas redes são penduradas num canto da casa e cercadas de estiras para não verem nada.

Suas mães sentam-se ao lado da rede de seus filhos e começam a balançá-las, cantando “kawa, kawa”. As crianças têm que ficar esticadas e não podem se mover. Se alguma delas tiver que sair da rede, só pode olhar para os pés. Se olhar para o céu ou para as árvores, uma cobra ou uma formiga com picada tão forte quanto a de uma cobra, podem picá-la. 

Os pais das crianças dançam ao redor do fogo e cantam Pakadim, rezas específicas para seus filhos “ficarem fortes e aprenderem ligeiro”.De manhã cedo, as crianças tomam banhos medicinais para crescerem, ficarem trabalhadoras (Dayadau), e as meninas recebem um banho especial para aprenderem o desenho (Kenedau). Além disso, meninas e meninos cortam o cabelo nessa ocasião.

As crianças são pintadas de preto com jenipapo, depois do banho. Lava-se também os dentes com pedrinhas chatas e areia para tirar as impurezas. Depois da lavagem, as crianças podem tomar caiçuma (Mabex) de milho.


Ainda de madrugada tem a corrida. Os homens pegam os meninos pela mão e correm com eles de um lado ao outro do pátio. Quando param para descansar, é a vez das meninas que correm de mão dada com as mulheres. 

E assim acontece o dia inteiro e durante os dois dias seguintes. “Quem cair não vai viver muito tempo, quem não cair vai sobreviver”. Nas noites depois da corrida, os homens cantam os Pakadim, como na primeira noite, e as mulheres balançam a rede, cantando “kawa, kawa”. 

As crianças não comem nada, só tomam Mabex. Entre as corridas, os meninos descansam nos banquinhos (kenan) feitos pelos pais para esta ocasião. A mãe do menino pinta o banco com o sumo da folha e da madeira do Txaxuani, que dá tingimento preto, e com Maxepa (urucum bravo), que tinge a madeira de uma cor avermelhada.

Entre os motivos que usa é o Xunu kene (desenho de sumaúma). O banco é feito da Sacupima (raiz aérea, bema) da Sumaúma (Xunu), uma madeira leve e branca. O Xunu é uma árvore muito grande e considerada poderosa pelos Kaxinawá. Ela hospeda Yuxin gigantes (os Nixu, Hida Vuxin).

As mulheres não ganham bancos, assim com não tomam o Nixi pae (a bebida alucinógena- Ayhauasca). O costume feminino é sentar com as pernas cruzadas numa esteira, enquanto os homens sentam num banco (Kenan, Tsauti), numa casca de jabuti, num Xaxu virado com a parte oca para baixo ou, quando o homem é o mais velho da casa ou uma visita importante, na rede de sentar (Hisin).

Na noite do último dia das corridas, as crianças recebem um prato com Nixpu ao se deitarem na rede. Mastigam o Nixpu e cospem num prato. Mastigam até seus dentes fiarem pretos. 

Depois fazem jejum (Samake) durante cinco dias: só podem tomar caiçuma de milho. Podem comer de novo quando o preto tiver saído dos dentes, ou seja, depois de terem saído da fase liminar, marcada pelo preto.

A categoria Dau inclui remédios do branco, adornos e cuidados corporais, e fitoterapia. Para ser atraente e bonita, a pessoa Kaxinawá lava-se muito (duas vezes por dia), tira todo o pelo do corpo, pinta-se de vermelho com a pasta de urucum com óleo (não sobrecarregando na cor, senão parece Kulina, o que é feio) e deixa desenhar-se com jenipapo. 


Limpá-se e cortá-se as unhas com uma pedra fina, escova-se os dentes com areia e pedra, lava-se o cabelo e o rosto com argila branca. Para fazer a barba os homens passam cinza no queixo e tiram a barba com uma concha (informação que não pude verificar pela observação). Antigamente as mulheres depilavam as sobrancelhas.


Homens, mulheres e crianças usavam, antes da entrada de roupas, faixas de algodão branco (huxe) nos pulsos, nos tornozelos e nos braços (puxte), colares (teuti) no pescoço feitos com contas pretas (meimatsi) e linhas de algodão ou colares cruzados no peito (mane haxkanti).

Os homens usavam um cinto fino (tinetxi) que segurava o pênis, as mulheres uma saia de algodão (xanpana) pintada de urucum perfumado.

Homens e mulheres usavam enfeites nas perfurações do lábio inferior (algodão, contas ou um pedaço fino de madeira: mane keu), nas orelhas (pau), no nariz (uma ou várias contas brancas ou azuis: dexu), um fio de algodão entre o nariz e orelhas (dedi). 

Nas festas os homens usavam ainda penas de arara nas narinas (Demu) e cocares. Nas faixas, nos colares e no cinto (ou na saia) pendurava-se vários tipos de Dau: folhas cheirosas, dentes de macaco, de onça e de jacaré (o dente de jacaré é tido com proteção contra cobras), vários tipos de contas, conchas e pedaços de couro.

O Katxanawá, ritual da fertilidade, existe em várias versões e pode iniciar o “festival” do Nixpupimá. Normalmente o katxanawá acontece várias vezes por ano. 

Visualmente o ritual é caracterizado pela dança dos Yuxin da floresta (cobertos dos pés à cabeça com a palha da jarina e pintados, nas partes que aparecem por baixo da palha do urucum) ao redor do tronco oco da paxiúba (tau pustu, katxa). 

O tronco foi cortado, descascado e esvaziado dentro da mata, pelos homens da metade que ficou com o papel ritual de invasor. 
MITO FUNDADOR...


O mito fundador Kaxinawá explica também a origem do uso de uni ou cipó de Ayahuasca - com que se produz uma bebida alucinógena utilizada ritualisticamente. 

Segundo o mito, houve um homem, Yube, que, ao se apaixonar por uma mulher-anaconda, transformou-se em anaconda também e passou a viver com ela no mundo profundo das águas. 

Lá, Yube descobriu uma bebida alucinógena com poderes de cura e de acesso ao conhecimento. Um dia, sem avisar a esposa-anaconda, Yube decidiu voltar à terra dos homens e retomar a sua antiga forma humana. 

XAMANISMO E ETNOMEDICINA...


O xamanismo entre os caxinauás é uma atividade predominantemente masculina e de mulheres mais velhas. O poder xamânico (muka) vem do contato com o mundo sobrenatural que acontece nos rituais coletivos, através dos sonhos, do uso do rapé e da bebida Nixi pae - Ayahuasca, Lagrou (1996). 

Segundo essa autora, o xamã (mukaia) cura seu mukae obtém suas visões (yuxin) cheirando rapé (dume) ou através do nixi pae. 


Para Keifenheim, os xamãs, em sua prática etnomédica, utilizam, preferencialmente, a fumaça do tabaco (dume), capaz de embriagar os espíritos e, assim, liberar o espírito humano preso por aqueles, ao Mixi pae.


Recorrem a essa bebida para dialogar com os espíritos somente quando seus métodos não alcançam a cura almejada.

O poder espiritual (Muka) do xamã pode matar e curar sem usar força física ou veneno. Os caxinauás distinguem dois tipos de remédio (Dau): os remédios doces (Dau bata) são folhas da mata, certas secreções e animais e os adornos corporais; os remédios amargos (Dau muka) são os poderes invisíveis dos espíritos e do Mukaya. 


A atividade de identificar, coletar remédios (Huni dauya - homem com remédio doce, ervatário) nem sempre é realizada pelo Huni mukaya (xamã), requerendo um processo de aprendizagem com outro especialista nesse saber.

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KULINA
Nomes alternativos: Kurína, Kolína, 
Curina ou Colina, Madiha
Classificação linguística: Arawa
População: 2.537 (Opan – 2002)
Local: Acre, Amazonas

São também chamados de Kurína, Kolína, Curina ou Colina, e vivem em pequenos grupos. Quando se casa, o homem vive na casa da família da esposa e tem que trabalhar para retribuir a mulher. Cada casal tem a obrigação de gerar pelo menos três filhos, ganhando o direito de construir uma casa separada e continuando juntos se desejar. 

Eles acreditam que a concepção acontece sem qualquer contribuição feminina, e para engravidar, a mulher tanto pode relacionar-se apenas com o marido ou ter vários parceiros. Em qualquer dos casos, ela é a única responsável pelos cuidados com a criança.

Vivendo nas margens dos rios Juruá e Purus, os Kulina destacam-se pelo vigor com que mantêm suas instituições culturais, entre elas a música e o xamanismo. Um exemplo disso é que, apesar do antigo contato com brancos e da proximidade de algumas aldeias com centros urbanos, não se tem conhecimento de nenhum Kulina vivendo fora de suas terras.


A cosmologia Kulina encontra em sua cosmografia um delimitador espacial para os seres, espíritos animais e plantas. Trata-se resumidamente de sua concepção visual do céu, da terra e dos lugares que homens e animais nela ocupam de um ponto de vista geocêntrico. Essa cosmografia supõe a existência de camadas e, nelas, locais. As camadas basicamente seriam meme ("céu"), Nami ("terra") e Nami budi ("embaixo da terra"). Há também Dsamarini ("o lugar da água") e outras duas distinções do céu que são pouco citadas.


Crianças, homens, velhos e mortos ocupam lugares distintos nessa cosmografia e no sistema de reciprocidade, sendo as categorias etárias nativas organizadas segundo o esquema abaixo:

Crianças nono: recém-nascido; não gente ejedeni:- criança; gente

Jovens dsabisso/dsohuato: (rapaz/moça) adolescente; até o casamento maqquideje dsabisso (homem rapaz) e amoneje dsohuato (mulher moça): jovens casados e sem filhos

Adultos maqquideje/ amoneje: homem/mulher casados, com filhos, casa e roça jadahi/ jadani: velho/velha Morto: não gente

Os homens, bichos e plantas vivem em nami ("terra"), enquanto que os espíritos ocupam o mundo subterrâneo, nami budi. Os bichos e animais de caça também vivem em nami budi, subindo à terra para serem caçados pelos homens. 

O pajé, quando bebe rami ("ayahuasca") ou através de seus sonhos, entra em contato com o mundo de Nami budi, visitando as grandes aldeias subterrâneas onde vivem os espíritos ou trazendo os animais para a superfície, próximos da aldeia. Para tanto, ele se transforma em animal também, sendo que os próprios animais de Nami budi são espíritos metamorfoseados.

Utilizo o termo transformação para indicar o processo de modificação do animal em pessoa, e metamorfose como o processo de modificação do espírito em animal, não em oposição um ao outro. Esse ciclo de transformações está na base de um sistema de oposições, operando numa cosmovisão que pode ser sintetizada da seguinte maneira:


Segundo o ciclo, o ser não domesticado, o nono, representado pela floresta (natureza, masculino), é domesticado através da ingestão de alimentos produzidos nas roças, pelas substâncias femininas (leite materno e saliva), pela aprendizagem e compreensão dos mitos e música, até tornar-se o mais próximo possível de um ser totalmente sociável.

Após a vida adulta, este ser sociável - maqquideje ou jadahi, tem duas formas para voltar à natureza, sua origem: após a morte, quando o seu espírito irá vai até nami budi, para as aldeias de seus dos antepassados, ou transformando-se em animal de caça, ou através da metamorfose do xamã em animais selvagens (normalmente o queixada).

O xamã, auxiliado pelo seu tokorimé (espírito, duplo, imagem, normalmente o queixada), vai a Nami budi, o local dos mortos e, por identificar seu Tokorimé animal com o dos outros espíritos de mortos metamorfoseados em queixadas, consegue trazê-los à superfície, próximos à aldeia, para então serem onde serão, por indicação do xamã, caçados e posteriormente devorados.

No final do ciclo de transformações os espíritos são caçados e comidos pelos vivos, o que sugere um tipo de endocanibalismo, necessário para fazer com que o espírito do morto seja incorporado novamente ao sistema de reciprocidade, por ele abruptamente abandonado ao morrer.


 Durante esse ciclo, o corpo físico/selvagem dirige-se em direção à aldeia, mundo da sociabilidade. De outra parte, o corpo espiritual/domesticado dirige-se à floresta, mundo selvagem, ainda não domesticado.

 Há uma relação entre o corpo físico e o mundo social, assim como do corpo espiritual com o mundo da natureza, onde o mundo da sociabilidade é o dos vivos, enquanto que o mundo da floresta selvagem está relacionado aos espíritos: os mortos. 

Assim sendo, esse corpo espiritual/domesticado, no seu mais alto grau, dirige-se ao mundo da natureza e retorna como corpo físico/selvagem, através de práticas xamânicas ou da morte - as transformações de um e outro encontrando nos respectivos extremos seu lugar para acontecer.

Em síntese, os elementos do sistema cosmológico são: homens que vivem em cima da terra e bichos que vivem embaixo da terra. A relação entre homens e bichos se dá através da alimentação, na forma de carne de caça, ou através do xamã, que os traz do mundo subterrâneo para a superfície, neles transformando-se.

Observando as habitações Madija, percebe-se na sua parte posterior essa distinção relacional. Humanos vivem sobre o assoalho de paxiúba, onde se come, dorme, refugia-se e é limpo. Animais vivem sob a casa, separados pelo assoalho, sendo a ligação entre eles de reciprocidade. 

Nessas habitações, que seguem o padrão ribeirinho, processa-se o alimento na parte posterior, sendo que todos os resíduos - sólidos ou líquidos - atravessam o assoalho chegando até os porcos e outros animais que lá habitam. 


Como os porcos e os outros animais transformar-se-ão em alimento, se estabelece uma forma equilibrada de reciprocidade, que, a despeito de ter uma disposição espacial importada do padrão regional, respalda-se em categorias nativas de troca.
Xamanismo

Para os Kulina a doença é basicamente causada por Dori ("feitiço"), que se manifesta na forma de um objeto que entra no corpo da vítima através de inserção mágica, podendo ser uma pequena pedra, um pedaço de pau ou osso, que causará muita dor no corpo do doente. 

Embora reconheçam hoje em dia que há doenças que não são Dori - as doenças de branco, Dsama coma, literalmente "terra doente", seu sistema de crenças invariavelmente as atribuem ao Dori que, se não as provoca diretamente, atua no sentido de predispor o outro a adoecer.


Quem lança o Dori é sempre o Dsopinejé ("xamã"), que jamais age contra alguém de seu próprio Sib.

Dessa forma, ou há um xamã de um sib rival na aldeia ou ela veio de fora, de Madija ou não. Muitos conflitos aconteceram, e ainda acontecem, por conta disso na forma do Manaco negativo (vingança) entre Kulina de localidades diferentes ou outras tribos.


As explicações higienistas de que muitas das doenças nos chegam através das fezes de humanos e animais (como os porcos), na forma de um micro-organismo, não encontra ressonância nas categorias nativas, dificultando a ação de agentes de saúde. 

Por exemplo, no domínio simbólico os porcos, assemelhados aos queixada (Jidsama, que pode ser o porco doméstico ou o do mato), cumprem um papel especial nos mitos (ciclo de transformações), ritos (a Coidsa: festa da caiçuma, onde homens e mulheres alternadamente apresentam-se coreograficamente uns aos outros como Jidsamas e se oferecem caiçuma para beber) e na dieta alimentar kulina.

Os porcos também são freqüentemente incorporados pelo xamã como um animal de poder: um Tokorimé ("espírito"). No plano físico são identificados como exemplares da própria vida social dos Kulina, por serem domesticáveis e agirem comunitariamente.

A MÚSICA NO XAMANISMO...



A categoria de música ritualística chama-se Ajie (arrié), que pode ser traduzido por música lendária. Muitos Ajie são antigos e de cunho xamanístico, e normalmente são usados em sessões de cura para extrair o feitiço ("Dori") do corpo do doente, conforme procedimentos similares descritos em outras etnias.

Segundo os Kulina, nessas sessões ocorre uma inserção no corpo do doente, das canções de cura que são cantadas pelo xamã e pelas mulheres, em grupo, acompanhadas de defumações de tabaco, resultando às vezes, após noites de trabalho, na remoção de um pequeno objeto, normalmente uma pequena pedra ou uma espinha de peixe que se encontrava dentro do corpo do doente e causava a doença. Esse objeto teria sido jogado, como um dardo, por um xamã de outro Sib ou de outra etnia.

Como um domínio masculino, os cantos xamânicos -de Ajie- e os cantos de rami jinede os mariri rami são criados apenas por homens, xamãs a maior parte das vezes ou pretendentes a sê-lo. 

Durante o Mariri rami há um mestre cantor especialista, aquele que sabe e canta as estrofes que são repetidas pelos outros participantes da cerimônia, mais ou menos uma hora após a ingestão da infusão de Ayahuasca.

Já nos rituais xamanísticos, Toccorimecca ajie ("cantos do espírito"), há a participação ativa das mulheres, que cantam para domesticar o Dori selvagem do corpo do doente, canções essas que são ensinadas e ensaiadas pelo xamã para esse fim.


Está implícita na ideia de atirar um Dori em alguém a noção de que, apesar de se tratar de um objeto independente, ele carrega as características de quem o atirou. 

São os cantos que irão proporcionar a cura, através da domesticação desse Dori, primeiro através dos Tokorime (espíritos que os controlam), seguidos das canções que ensinam ao elemento estranho, causador do desequilíbrio, a harmonizar-se no novo sistema de reciprocidades e dele passar a fazer parte.

Essa dualidade em relação ao Dori encaixa-se no dualismo do ciclo de transformações de natureza e cultura, onde realizar a cura passa pela transformação da doença, que é Dori de natureza selvagem, através da canção, numa espécie de ressocialização do Dori.

O Xamã precisa possuir conhecimento e controle sobre suas duas polaridades: a selvagem e a domesticada. É com o Dori selvagem que ele poderá causar doenças, pois xamãs também são, noutro plano, guerreiros, e em caso de rivalidades ou da necessidade de praticar Manaco negativo usam seu poder para enviar ou devolver o Dori ao inimigo.

 Como o próprio xamã possui dentro de si o Dori, é apenas sua extrapolação dos limites da sociabilidade que o transforma em desequilíbrio e doença: apenas para quem lhe é estranho atua causando doença.


Ainda como elementos de comparação, estão certas atitudes em relação ao Dori. O ato de mandá-lo a alguém (ou para uma aldeia) é individual e masculino, pois é o xamã quem solitariamente envia o Dori. 

Os Xamãs são na sua quase totalidade homens, no entanto o ato de curar e transformar é coletivo, e basicamente feminino, pois embora seja o Xamã quem dirija o ritual, ele é composto por muitas mulheres em grupo, cantando junto ao doente. Sem elas, a cura não acontece.

Nesse sentido, a doença é criada por um único indivíduo, representando a natureza exterior, distante daquele que a recebe (a floresta, a tribo distante, o inimigo desconhecido, de fora do seu próprio sistema de reciprocidade), e a saúde pelo coletivo, pela cultura.

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MARUBO
Classificação linguística: Pano
População: 1.252 (Funasa – 2006)
Local: Amazonas

Eles estão em contato com a sociedade nacional desde 1870 e foram incorporados ao trabalho de exploração da borracha.  O homem pode se casar com várias mulheres (poligamia), e cada uma delas ocupa um espaço bem definido na maloca. 


Por influência dos missionários, hoje, os mortos são sepultados em cemitérios, mas a cremação fazia parte dos antigos costumes desses índios, eles comiam as cinzas com mingau para que o morto pudesse continuar entre eles.

A única exceção ocorre com as crianças de colo, que são enterradas geralmente entre as árvores. É uma população de 600 pessoas, que falam a língua da família Pano e vivem ao longo dos rios Ituí e Curuçá, na Amazônia, junto à fronteira com o Peru.


É pela mitologia que os Marúbo descrevem o Universo e contam como se formou. De um modo geral, os seres são sempre feitos de partes de outros seres, a começar pela superfície terrestre, composta de partes moles dos corpos de animais mortos, enrijecidas pelos seus ossos. 

Também a água dos rios e os seus peixes são feitos a partir de outros seres, bem como os vegetais da floresta. Do mesmo modo surgiram as plantas cultivadas, segundo um dos três diferentes mitos que contam sua origem. 

O Universo se compõe de várias camadas, as superiores chamadas céus e as inferiores, terras. É na terra que está acima das demais, a da Névoa, que vivem os seres humanos.

Os humanos têm várias almas, que, entretanto, podem resumir-se a duas: a da direita ou do coração e a da esquerda. 


Após a morte, a última fica vagando por esta camada, mas a outra é encaminhada para o Caminho da Névoa (Vei Vai), que percorre, passando por muitas provas ou perigos, aos quais não pode sucumbir, sob pena de aí ficar para sempre, até chegar ao lugar onde vivem as almas de membros de sua seção.

 Aí tem sua pele trocada por Roka (macaco parauacu), e passa a uma vida farta, saudável e feliz. O termo que designa o céu onde se faz essa troca é o mesmo aplicado ao parente a quem se dá o nome: Shokó.



Os Marubo surgiram do chão, cada seção de um buraco diferente, estimulada por algo que acontecia na superfície: queda de folhas, penas, pingos de seiva. Isso aconteceu junto ao estuário mitológico aonde vão ter as águas dos rios que conhecem.

Daí foram subindo ao lado do rio, até chegarem à região onde hoje vivem. Ao longo desse percurso foram aprendendo sua cultura: qual a pupunha comestível, qual a secreção de perereca mais apropriada para eliminar a preguiça e o panema, como ter relações sexuais, a proibição do incesto, os termos de parentesco, a maneira adulta de chorar, as plantas cultiváveis, os cânticos de cura, os nomes pessoais. 

No início os vivos podiam ir e vir por um caminho chamado Yové Vai até o Shoko Nai. Porém, uma mulher maltratada pelo marido conseguiu de certos espíritos o fechamento desse caminho e a abertura do Vei Vai. Isso acabou separando definitivamente os humanos comuns dos espíritos Yové.


RITOS...

Aqueles donos de maloca que granjearam prestígio pelo seu modo de agir comedido e pacífico, que promovem festas e a paz e são procurados como conselheiros merecem o título de kakáya.

Talvez os ritos menos formais e freqüentes sejam as refeições e as festas de beber, para as quais uma maloca convida os vizinhos, quando há de carne de caça de sobra ou macaxeira, milho ou pupunha disponíveis. 

Mais elaborada e mais rara é a festa Tanaméa, em que a maloca anfitriã limpa os caminhos até as malocas convidadas, e abre algumas clareiras para nelas receber com bebida os convidados que se aproximam. 

A entrada destes na maloca anfitriã é agressiva, escavando o pátio externo e destruindo as palhas das paredes. Em compensação, os moradores da maloca podem tomar dos convidados os enfeites que trazem.

Anualmente se realiza em cada maloca a festa da colheita do milho, em que a aplicação de urtigas ou de picadas de tocandeira nos homens e as brincadeiras que imitam as diferentes fases da atividade venatória de modo a propiciar os resultados da caçada coletiva predominam sobre boa parte do rito.


O transporte de novo trocano desde a mata, onde foi confeccionado, até o interior da maloca constitui também uma ocasião ritual. O pesado instrumento é amarrado ao centro de um longo tronco, cujas extremidades os homens colocam aos ombros. 

Os carregadores, apoiados em bastões, além de terem de andar pelo caminho escorregadio, enlameado pelas chuvas, devem suportar também as cócegas que lhes fazem as mulheres que os classificam como maridos.

No que tange ao ciclo de vida, o rito mais visível é o funerário, que no passado envolvia a cremação, a pulverização dos ossos e sua ingestão pelos parentes dentro de um alimento pastoso, seguido do desfile com partes do corpo do morto no sentido de ajudar a sua "alma do coração" a encontrar o caminho das provas post-mortem. 

Atualmente, o cadáver é envolvido na sua rede e levado pelas pessoas que mantém com o defunto as relações mais distantes para o cemitério, bem afastado da maloca, onde é depositado numa sepultura, sobre a qual se constrói um pequeno tapiri.


Os ritos que mais freqüentemente se realizam estão no âmbito da magia e se apresentam sob duas formas: os cânticos de cura e as sessões xamânicas.

Qualquer homem maduro se sente na obrigação de entoar os primeiros, sentado com outros em banquinhos em torno da rede do doente, quando este é um parente próximo. 

Mas há reconhecidos especialistas nesses cânticos, os kenchintxô ou "curadores". São cânticos que duram pelo menos quarenta e cinco minutos, repetidos ou substituídos por outros a intervalos pelo número de vezes que a gravidade do mal o exigir.

Antes de cantar pela primeira vez e nos intervalos, os curadores bebem Ayahuasca e tomam rapé. Têm uma seqüência padronizada: uma introdução narra como se formou o espírito da doença, constituído de partes de diferentes seres; uma narrativa de como a doença entrou no enfermo; a invocação de seres e qualidades que entram no corpo do enfermo para combatê-la, entre os quais tem papel preponderante o espírito feminino Shoma; e a recuperação do doente. 

Uma outra maneira de entoar cânticos de curar é sobre um pote de mingau cujo conteúdo será depois consumido por aqueles que desejam os efeitos esperados. Também sobre um pote é possível entoar cânticos maléficos, sendo o conteúdo aplicado secretamente na pessoa que se deseja enfeitiçar.

Freqüentes também são as sessões xamânicas, mas somente nas malocas onde vivem um dos poucos Xamãs Marúbo (na década dos oitenta não passavam de três), chamados Romeyá ou "Pajés". 


O xamã, quando vai atuar, começa a tomar rapé e Ayahuasca a partir das sete horas da noite, junto com os homens que constituem a assistência, todos sentados nos compridos bancos da entrada da maloca. 

Por volta das onze horas da noite, o xamã, agora numa rede pendurada junto à porta, recebe o primeiro espírito; e assim vai recebendo sucessivamente outros espíritos até por volta das cinco da manhã, quando termina a atividade. Cada espírito que o xamã recebe utiliza-se do corpo deste para falar, conversar, dançar.


Enquanto isso ocorre, a alma do xamã visita a maloca onde vive o espírito, depois que caminhar por um dos vários caminhos cósmicos. 

A sessão xamânica não tem um fim meramente de curar doentes ou achar coisas perdidas, como alguns espíritos se dispõem a fazer. 

É um ato de comunhão com seres de caráter benevolente, os Yové, de outras camadas do cosmos, que gratifica, apóia, ensina e até diverte os homens que estão junto ao xamã, e as mulheres e crianças, que o escutam de suas redes.

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MATIS
Nomes alternativos:
 Mushabo, Deshan Mikitbo
Classificação linguística: Pano
População: 322 (2008)
Local: Amazonas

Estimados em várias centenas na época dos primeiros contatos (final dos anos 70), os Matis, falantes de uma língua Pano, não passavam de 87 em 1983.

 Todos os matis são monolíngues. Andam nus, raspam a cabeça, fazem orifícios labiais e auriculares e usam zarabatana. Vivem de caça pesca e coleta de produtos como o cacau e o buriti além das roças de milho, macaxeira, pupunha e cará.


O SHO é uma substância característica 
E mesmo a fonte de poder... 
dos Xamãs e dos Homens importantes.

Ambivalente por excelência, essa substância apresenta aspectos ora positivos, ora nefastos. Em forma benéfica, transmite-se formalmente, durante rituais, ou “por contágio”, quando alguém se deita na rede de outrem, por exemplo. 


Da mesma maneira, o Sho patogênico também pode ser enviado voluntariamente (por meio de pequenas zarabatanas), ou involuntariamente, pela exalação, por exemplo. Os Matis podem, portanto, imputar doenças aos brancos sem realmente culpá-los e buscar vingança.

Intimamente ligado ao sistema de sabores, o Sho apresenta-se sob duas formas básicas: Bata Sho (doce) e Sho comum, amargo (chimu). A forma doce, de essência feminina, protege, ao passo que a forma amarga, masculina é perigosa. Diz-se que estar doente ou sofrer é literalmente “ficar amargo”, Chimwek.


Os “brancos” (Nawa), que consomem muito sal (alimento bata), mas também muita pimenta-do-reino (alimento chimu), são conhecidos por seu forte teor em Sho comum (chimu) – daí as epidemias de que são sabidamente responsáveis – e, principalmente, em Bata Sho – daí a sua relativa “imunidade” às doenças. Os Matis não conseguem o equilíbrio entre o bata e o chimu como os “brancos”, privilegiando o último.

Antigamente, com o intuito de melhorar suas proezas na atividade da caça e, principalmente, aumentar a eficácia de suas zarabatanas, os homens se abstinham, tradicionalmente, de todo alimento bata (comida doce, tal como mamão, abacaxi, cana de açúcar), mantendo um regime alimentar e um ritmo de vida regidos pelo signo do chimu.

Este é um termo polissêmico que, além do amargo, designa a dor, o gume e outras qualidades extremamente valorizadas, mas cujo excesso provoca o sofrimento e a morte.


Os caçadores ingeriam vários tipos de substâncias amargas ou ácidas (pimenta crua, chás de cipós amargos, Curare pësho, vários vegetais não identificados); injetavam o Kampo, veneno de sapo emético sob a pele; introduziam líquido irritante (buchete) sob as pálpebras; açoitavam-se uns aos outros, em suma, cultivavam o picante e o amargo - o chimu. Seu teor em Sho era máximo, o que os deixava orgulhosos e deveria torná-los melhores caçadores, mas, ao mesmo tempo, segundo a teoria indígena, expunha-os às doenças.


Tumi, o Matis considerado como tendo mais Sho verdadeiro (chimu, “amargo”), foi para a cidade tratar e uma infecção benigna, muitos achavam que estava perdido, afirmando que não sobreviveria ao excesso de Nawan sho (“Sho dos brancos”, por demais doce/salgado). 

Sua mulher chorou lágrimas de luto por ele. Protegidas por uma alimentação bata, as mulheres, ao contrário, são consideradas menos ameaçadas pelos brancos, o que talvez explique seu papel preponderante nos primeiros contatos, colocando-se na dianteira, e muitas vezes, tomando a iniciativa do diálogo (CEDI, 1981: 85). 

De qualquer modo, o simbolismo matis aproxima, incontestavelmente, o bata do feminino e do estrangeiro e opõe esses termos ao chimu, ao masculino e ao endógeno [interno] (Erikson, 1990).


Os MARIWIN: Espíritos Ancestrais...

Onipresentes nos discursos dirigidos às crianças, os Mariwin são ancestrais genéricos (impessoais) cujo papel consiste em bater nas crianças com o objetivo de endurecer, disciplinar e torná-las mais ativas e vigorosas.

Muitas vezes, chegam na aldeia adultos adornados com máscaras, representando os espíritos ancestrais, munidos de varas, mexendo-se, curvando-se e grunhindo de modo assustador. As crianças são levadas a eles. A menos que consigam escapar, todos são açoitados, dos mais jovens aos pré-adolescentes.


Os golpes não são dados para fazer mal, mas para insuflar o tônus. Os chicotes do Mariwin são feitos de talo da palmeira Daratsintuk, e cada talo, quebrado ou não, só pode ser utilizado uma vez. 

Assim, nota-se a natureza individualizada da ligação entre a palmeira e cada criança, sugerindo que, assim como as plantas medicinais e as agulhas do tatuador que são usadas uma única vez , os golpes dados pelos Mariwin tenham um valor propriamente terapêutico e preparatório.

Bater faz crescer: no caso de escassez de vegetais, se os legumes começam a faltar, os Matis, para encurtar o período de entre-safra, põem suas vestes e ornamentos cerimoniais e batem nas plantas de seu jardim a fim de incitar o seu desenvolvimento.


As crianças são também açoitadas e picadas na gengiva desde a idade de dois ou três anos. Tais golpes antecipam aquilo que virá em seguida, inauguram uma vida marcada por fustigação e picadas “terapêuticas”, entre as quais se destacam as perfurações ornamentais, as tatuagens, e a ação dos Mariwin, marca dos rituais de açoitamento.


Há, de fato, dois tipos de Mariwin, os Put (“vermelhos”, com o corpo todo coberto de lama ocre-alaranjada) e os Wisu (“negros”, cobertos de terra acinzentada). 


Os vermelhos, que são vistos como mais próximos dos viventes, provêm de locais distantes onde antigamente viviam os Matis: das roças abandonadas que são exploradas por causa da pupunha, já que não produzem mais plantas de consumo cotidiano como a mandioca e a banana. 

Os negros, por sua vez, vêm de mais longe: de buracos dentro dos bancos, nas margens dos grandes rios. Seus golpes fazem supostamente mais mal às crianças que eles conhecem pouco, pois assim não precisam se preocupar em bater menos. Eles são, de um modo geral, mais distantes, como costumam dizer os Matis.

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MAYORUNA
Nomes alternativos: Matsé
Classificação linguística: Pano
População: 1.592 (Funasa – 2006)
Local: Amazonas

Os Mayoruna não são ainda totalmente conhecidos devido a distância onde estão localizadas as suas aldeias. Anteriormente eles habitavam as cabeceiras do rio Gálves (Peru), formador, juntamente com o rio Jaquirara, do rio Javari. Este, por sua vez, afluente pela margem direita do rio Solimões.

Eles consideram que existe unidade entre o mundo espiritual e o físico e, assim, os espíritos dos animais são encontrados em todas as coisas. 

Eles acreditam que todas as plantas contêm espíritos animais específicos. Ao usar plantas medicinais , o xamã e seu paciente falam com o espírito animal que habita aquela planta em particular, solicitando cura ou proteção.

Eles aplicam os medicamentos externamente ao corpo, ingerindo-os raramente. Um ritual comum inclui o uso de uma toxina derivada de um sapo ou do sapo bicolor Phyllomedusa.



COSMOLOGIA ...

Há pouca informação sobre as crenças do Mayoruna sobre a vida após a morte e o mundo espiritual. Sua cosmologia, de acordo com Erikson, consiste em uma versão simplificada da de outros povos do pano. 

Enquanto os Marubo acreditam que o mundo é formado por 12 pisos planos sobrepostos acima dos nossos e pelo mesmo número de pisos subterrâneos; Matis reconhece apenas três níveis (aquele em que pisamos, aquele no céu e no subterrâneo). 

Da mesma forma, os Yaminahua concebem o corpo humano como constituído por uma multiplicidade de almas e os Mayoruna falam apenas de uma alma ( Tsusi , significa "sombra" e "velha").




Os Matsés, por outro lado, também usam o termo Tsusi, mas para se referirem ao que emana do corpo após a morte preferem usar a palavra Porobitsi ("pele do membro").

Mayoruna entre os espíritos têm a capacidade de agir como intermediários entre os seus parentes e o mundo que existe após a morte. O fenômeno conhecido como "amnésia genealógica" parece ser tão prevalente entre Mayoruna como em outras cidades. 

Na verdade, Mayoruna visitam frequentemente pousios, onde seus parentes são enterrados. Erikson diz respeito a fraqueza de amnésia genealógica entre Mayoruna com a valorização do idoso e do fato de que os mortos são designados, por vezes, o termo I Darasibo("Mais velho").

De certa forma, isso nos permitiria concluir que os idosos se beneficiam do status dos mortos-vivos. A importância dada aos idosos é reforçada pelas funções rituais e algumas tarefas artesanais, fisicamente simples, mas altamente valorizadas, que são reservadas para esse grupo.



XAMANISMO ...

Os Matis localizam a morte de seu último xamã antes de seu primeiro contato com a FUNAI. Por esse motivo, o pimentão, o tabaco e as drogas cultivadas desapareceram de seus jardins. O panorama do xamanismo está associado à amargura ( Muka ). 

De fato, em muitas línguas Pano, a expressão Hun mukaya (homem com muka ) é usada para se referir ao xamã. Medicina tradicional Matis parece ter desaparecido em benefício da medicina ocidental administrada pela FUNAI. No caso dos Matsés, o xamanismo é mais vivo que entre os Matis.

Segundo Erikson, o grande xamanismo distingue-se pela sua natureza difusa e transmissível. Em primeiro lugar, difundido porque é distribuído entre todos, o especialista se distingue pela quantidade e não pela natureza de seus poderes.



Em segundo lugar, transmissível na medida em que a substância (Sho) que confere o poder de curar, ferir ou matar podem se materializar sob diferentes formas (dentes, pimentas). 

O princípio energético do xamanismo principal circula de maneira geral e hierárquica na sociedade: do maior ao menor, dos adultos às crianças, dos homens às mulheres, dos homens aos cachorros e até dos mortos aos vivo.



As modalidades de circulação de energia são muitas, algumas estão associadas a práticas comuns como comida ou sexualidade, e outras a rituais específicos para realizar tal transmissão (entre os Matsés: absorção de inalação pulverizada pelo nariz e por injeção subcutânea do veneno Batracio kampo). 

A característica que unem essas práticas e outras é o fato de que substâncias são introduzidas por pessoas com prestígio e com a noção de amargura.


MITOLOGIA ...

Não há estudo sistemático sobre a mitologia principal. No entanto, Wistrand, com base nos estudos de alguns linguistas lista os seguintes tópicos: perseguição da cabeça que rola por si só, dilúvio, Orfeu, subindo do céu, as plantas e arbustos que começam a crescer, origem do forma e as cores dos pássaros e animais depois de matar o Irakocha.

Embora não haja menção de Irakocha, deve-se notar que Mayoruna mitologia é caracterizado pela ausência dos Incas em seus mitos, ao contrário sua presença nos mitos de outros povos Pano. 

Um dos Matsés mitos mais comuns atribui a origem da agricultura para a Curassow presente (Wësnid), que terminou a época em que os seres humanos comeu barro e foi feito sob o sol, porque eles ainda incêndio era desconhecida. Esse mito também é comum entre os Matis e os Marubo.



Entre os Matsés todas as principais culturas cultivadas (mandioca, banana, milho, chonta, Huaca) parecem ter sido entregue por Wësnid, enquanto Matis relacionar a origem das bananas com um episódio diferente reminiscência de um mito Cashinahua.

Apesar da incorporação maciça de cativos, A mitologia principal não foi influenciada nem pelo corpus de outras famílias linguísticas nem pelo tema do Inca que está entre seus vizinhos. Para os outros aspectos, as diferenças entre mitologias de pano são mínimas.



RITUAIS ...

O essencial da vida cerimonial está centrado
 em torno de rituais de "formação da pessoa"
 que se caracterizam pela transmissão de 
ornamentos e a imposição de tatuagens. 

Cada pessoa sofre as tatuagens e piercings do rosto várias vezes ao longo de sua vida, sendo, portanto, um processo contínuo e pouco formal; o tempo que os adolescentes são tatuados apresenta as características de um rito de passagem.

Como em outros povos Pano, rituais de iniciação de Mayoruna ter lugar durante a temporada e colheita de milho chuvoso, momentos que se relacionam com a chegada dos espíritos telúricas que vêm para maltratar os jovens para o seu bem - estar. 

O Matis incorporar estes espíritos, os chamadores Mariwin com máscaras de argila, o Matsés, no entanto, serviu um vestido-máscara feita de casca de uma árvore chamada Komo única administrável durante a estação chuvosa para representar os espíritos, chamados para este grupo kwënkido ou Noshman.

Embora existam outros espíritos entre os Matis e os Matsés, os mais importantes são o Mariwin e o Noshman; respectivamente.

No ritual Matis metáfora agrícola cuja interpretação é evidente, Erikson pode ser relacionada com um conjunto tentativa complementar: os primeiros são iniciados milho (primeiro produto de uma nova exploração agrícola colhida) e espíritos ancestrais são iniciadores Pijuayo (último produto colhido em Purma). 

Existe uma semelhança estrutural entre o milho e os iniciados, já que ambos prometem rápido crescimento e amargor: a planta de sua fermentação e transformação em chicha; e jovens da tatuagem, que é considerada uma injeção de Sho.

Versão Matsés do ritual dura várias semanas e consiste em uma troca geral de alimentos entre os sexos e uma série de máscaras ao longo do qual cada homem se torna um submundo simétrica usar um terno Komo.

Diz-se que durante o Kwëdenkido (Os humanos visitam), os homens vão para as malocas subterrâneas. As mulheres não podem comparecer aos preparativos ou olhar para os espíritos quando chegam à casa. 




Uma vez na maloca, os espíritos cantam cada um com à mão, batendo às vezes as mulheres com um martelo especialmente se ele se recusa a cantar junto com o espírito de seus parentes próximos e seu marido se não o fizerem comer rapidamente ou adormecer. 

O clímax do ritual é o momento em que todos os espíritos aparecem ao mesmo tempo para reviver os filhos e alguns homens que se tornam mortos.

Embora o ritual de iniciação seja o mais importante, existem outros rituais importantes, especialmente associados à guerra, nos quais os personagens que intervêm também aparecem disfarçados. 

Para finalizar este capítulo dedicado aos rituais, nos referiremos muito brevemente aos ritos fúnebres, pois foram eles que mais impressionaram os primeiros observadores porque implicam um episódio de endocanibalismo. 

Atualmente, tanto os Matis quanto os Matsés enterram seus mortos e seus rituais fúnebres são baseados em lágrimas cantadas que terminam com o silêncio depois de algumas horas ou dias, depende do prestígio do falecido.

Em um passado não muito distante, essas músicas foram acompanhadas por uma cremação. As cinzas resultantes foram coletadas e ingeridas pelos parentes próximos do falecido.


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MURAS

Os Mura ocupam vastas áreas no complexo hídrico dos rios Madeira, Amazonas e Purus. Vivem tanto em Terras Indígenas, quanto nos centros urbanos regionais, como Manaus, Autazes e Borba. 


Desde as primeiras notícias do século XVII são descritos como um povo navegante, de ampla mobilidade territorial e exímio conhecimento dos caminhos por entre igarapés, furos, ilhas e lagos.

 Em seu longo histórico de contato, sofreram diversos estigmas, massacres e perdas demográficas, linguísticas e culturais. Originariamente falantes de uma língua isolada, os Mura passaram a utilizar o Nheengatú (Língua Geral Amazônica) no intercâmbio com brancos, negros e demais populações indígenas. 


No século XX, o português se tornou a principal língua utilizada. No presente, a despeito das mudanças históricas, os Mura realizam diversos esforços para serem plenamente reconhecidos enquanto povo diferenciado.


As suas características com relação a religiosidade e os aspectos espirituais são escaços, a princípio foram considerados como povo sem "lei" e sem religiosidade, mas com o progressivo contato com o "homem branco" ocorre a prática do cristianismo entre a população desta etnia.

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                            MUNDURUKUS

Povo de tradição guerreira, os Munduruku dominavam culturalmente a região do Vale do Tapajós, que nos primeiros tempos de contato e durante o século XIX era conhecida como Mundurukânia. 


Hoje, suas guerras contemporâneas estão voltadas para garantir a integridade de seu território, ameaçado pelas pressões das atividades ilegais dos garimpos de ouro, pelos projetos hidrelétricos e a construção de uma grande hidrovia no Tapajós.

Nas práticas religiosas os pajés exercem um papel primordial de cura através de manipulação de ervas, atos de defumação e contato com o mundo dos espíritos. 

A religiosidade tradicional é muito presente entre os Munduruku, mesmo com as mudanças sofridas com a colonização.

A religiosidade está presente em todos os aspectos da vida cotidiana, regendo as relações com a natureza, as práticas do mundo do trabalho e as relações sociais.


Há a presença de duas missões religiosas. A Missão São Francisco, localizada na aldeia Missão, no rio Cururu, instalada em 1911; e a Missão Batista, que iniciou suas atividades em fins da década de 1960, estando situada na aldeia Sai Cinza, no rio Tapajós, com uma distância de cerca de 40 minutos de lancha da pequena cidade de Jacareacanga. 

Como falei anteriormente, as interferências na vida cultural e religiosa dos Munduruku estão presentes devido à atuação das duas instituições religiosas, porém, os Munduruku em sua maioria, apesar de participarem dos rituais católicos e protestantes, dificilmente podem ser considerados como plenamente convertidos. 


Atualmente não há mais uma objeção aberta por parte das Missões às práticas de pajelança. E ao que parece os Munduruku não atribuem grande importância às condenações feitas pelas religiões cristãs à sua religiosidade tradicional. 

A presença de missões de diferentes religiões não causou entre os Munduruku rivalidades ou disputas deste cunho, fato que pode significar que eles atribuem soluções e interpretações próprias no que diz respeito a religião.


RITUAIS DOS MUNDURUKUS...

Os deslocamentos das aldeias tradicionais para o estabelecimento nas margens dos rios, por certo contribuiu também para o desaparecimento da casa dos homens, unidade importante na aldeia tradicional e na permanência de alguns rituais de caráter coletivo que estavam relacionados às atividades de provisão de alimentos, divididas entre a estação da seca (abril a setembro) e a estação das chuvas (outubro a março).

Entre estes rituais estava o da Mãe do mato, realizado no início do período das chuvas, visando obter permissão para as atividades de caça, proteção nas incursões pela floresta e bons resultados na caçada. 

Alguns elementos desta atividade ainda estão presentes, ou foram recriados com novos significados, especialmente na relação de respeito com os animais caçados, nas práticas do cotidiano do homem caçador para obter caça e nas regras alimentares.


Outro ritual é o Sairê, uma dança em círculos formada por homens, mulheres, crianças, jovens e anciãos da aldeia.

E o principal ritual, as Cabeças Mumificadas, que era praticado após vencerem uma batalha. Ele era composto por três partes.

A primeira denominada Inyenborotaptam, ornamentação de brincos de penas. A decoração da cabeça representava a sua introdução em um segmento daquela sociedade. Cada matador adornava o seu troféu com penas que eram específicos de seu clã. 


Além disso, o rito consagrava o seu dono na condição de Dajeboishi e marcava o inicio de um longo e rigoroso resguardo, que se fosse descumprido, levava o matador a perder antecipadamente sua qualidade de proporcionador da caça.

A segunda parte do ritual era realizado no período de chuva, o Yashegon, quando ela era cozida e esfolada.

No inverno, completava-se o clico com a festa Taimetoröm, na qual os dentes extraídos para confecção do troféu eram enfileirados em um cinto de algodão, denominado Pariuaete-ran

Essa era a mais elaborada das cerimonias e os donos das cabeças convidavam os aliados para comerem os couros da caça do Dejaboishi. 

Antes da festa, era realizada uma grande caçada, na qual adquiriam as provisões para o dia marcado. Nesse dia, toda a tribo se reunia para assistir o Tuchaua confeccionar o cinto e enfeitá-lo com os dentes dos inimigos, os quais eram limpos e furados, para serem depois pendurados.

Durante este trabalho, todos os presentes permaneciam nus e sentados, entoando hinos guerreiros. Terminado o cinto, todos se dirigiam à Casa dos Homens, denominada por eles de Exçá, para vestirem os seus trajes de festa e se armarem.


*DEUSES CULTUADOS...

A Missão católica, além de ter exercido influência na concentração da população nas margens do rio Cururu, difundiu princípios do catolicismo, como o batismo do recém-nascido como obrigatório e o casamento religioso. 

No entanto, em relação ao mundo da religião indígena, mesmo considerando que as práticas de conversão não diferem em essência das praticadas no período colonial, com a condenação dos rituais de pajelança, os avanços em termos de conversão católica podem ser considerados modestos tendo em vista que os Munduruku são extremamente ligados ao mundo de sua religião tradicional.


Um dos principais deuses dos Mundurucus, é o Caro Sacaibu, um criador onisciente e herói civilizador, pois ensinou aos homens e a caça e a agricultura. Ele foi maltratado pelos Munducurus, retirou-se ao mais alto do céu, onde se confunde com a cerração. 

No fim do mundo, ele queimará os homens no fogo. Mas, é benévolo e atende as preces dos que a ele recorrem (antes da caça, da pesca, e nas doenças). Castiga os maus e acolhe benignamente os bons.

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SATERÉ-MAWÉ

São chamados regionalmente "Mawés. Ao longo de sua história, já receberam vários nomes, dados por cronistas, desbravadores dos sertões, missionários e naturalistas: Mavoz, Malrié, Mangnés, Mangnês, Jaquezes, Magnazes, Mahués, Magnés, Mauris, Mawés, Maragná, Mahué, Magneses, Orapium.


Autodenominam-se Sateré-Mawé. O primeiro nome - Sateré - quer dizer lagarta de fogo, referência ao clã mais importante dentre os que compõem esta sociedade, aquele que indica tradicionalmente a linha sucessória dos chefes políticos. 

O segundo nome - Mawé - quer dizer papagaio inteligente e curioso e não é designação clânica.


Os maués foram os inventores da cultura do guaraná. Foram eles que transformaram a trepadeira silvestre em arbusto cultivado, com o plantio e o beneficiamento dos frutos. 

A primeira descrição do guaraná data de 1669, o mesmo ano em que houve o contato com o homem branco. 

O padre João Felipe Betendorf escreveu que "tem os Andirazes em seus matos uma frutinha que chamam guaraná, a qual secam e depois pisam, fazendo dela umas bolas, que estimam como os brancos o seu ouro, e desfeitas com uma pedrinha, com que as vão roçando, e em uma cuia de água bebida, dá tão grandes forças, que indo os índios à caça, um dia até o outro não têm fome, além do que faz urinar, tira febres e dores de cabeça e cãibras".


O uso desse fruto é considerado fonte de saúde e está ligado à terra cultivável, como é possível ver no discurso do Tuxaua sateré-maué Manuel, em 1933: 

"O Guaraná é bom para fazer chover, para proteger a roça, para curar doenças e prevenir outras, para vencer a guerra, no amor, quando dois rivais pretendem a mesma mulher".


LENDAS E TRADIÇÕES...

Origem da Noite.

História da Pedra ou da Aliança
 entre os Maués.

A criação do Mundo.

Lenda do Timbó.

Lenda da Primeira Água.

História da Mandioca.

História da Mucura e do Acurau.

Origem dos Bichos.

História do Guaraná.



Dentre os rituais indígenas, o que mais se destaca é o ritual da Tucandeira na tribo Sateré-mawé. Este evento é realizado como forma de iniciação masculina. 

O índio Sateré-Mawé, para provar sua força, coragem e resistência à dor, deve se deixar ferrar no mínimo 20 vezes, colocando as mãos dentro da luva da tucandeira (Saaripé). As tucandeiras são formigas grandes com ferrão muito dolorido que, na véspera do ritual, são capturadas vivas e conservadas num bambu.


Os meninos levantam cedo para terem seus braços pintados com o preto do jenipapo feito por suas mães; em seguida, com um dente de paca, elas começam a riscar a pele dos meninos até sangrar. 


A LUVA É FEITA DE PALHA
 PELOS PADRINHOS, QUE SÃO 
OS TIOS MATERNOS. 

No dia da cerimônia, pela manhã, são colocadas em uma bacia com tintura de folha de cajueiro, que tem efeito anestesiante, e meio adormecidas, as tucandeiras são postas na luva, com a cabeça para fora e o ferrão para dentro, na parte interna do Saaripé.

Não há um período certo para a realização do ritual: é organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado.

O evento envolve cantos e danças onde as mulheres, sobretudo as solteiras, que buscam maridos fortes e corajosos, podem entrar na fila da dança junto com outros homens.

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TICUNA
Nomes alternativos: Tikuna, Tukuna
Classificação linguística: Tikuna
População: 35.000 (2008)
Local: Amazonas

Maior etnia da Amazônia brasileira, conta com uma população de 20.135 indivíduos, que ocupam cerca de 70 aldeias às margens do rio Solimões, no Estado do Amazonas. Outra parte do grupo vive no Peru. 


As meninas, quando ficam menstruadas, são submetidas a um ritual de iniciação, que sempre acontece na lua cheia, representando a bondade, a beleza e a sabedoria. Nesta festa, os índios fabricam máscaras de macacos e monstros e enfeites para as virgens. 


Um dos índios usa uma máscara com cara de serpente e incorpora o espírito do principal personagem do ritual, um monstro que vivia na água. Durante os festejos, o monstro faz gestos obscenos que divertem a tribo. 

Ele também ronda o cubículo onde fica a menina, batendo com um bastão no chão. Durante três dias e três noites, essa garota é protegida por duas tias que aproveitam o tempo dando conselhos de como ser uma boa mulher Tikuna: respeitar o marido, ser ativa e trabalhadeira.



Com uma história marcada pela entrada violenta de seringueiros, pescadores e madeireiros na região do rio Solimões, foi somente nos anos 1990 que os Ticuna lograram o reconhecimento oficial da maioria de suas terras.


Hoje enfrentam o desafio de garantir sua sustentabilidade econômica e ambiental, bem como qualificar as relações com a sociedade envolvente mantendo viva sua riquíssima cultura. Não por acaso, as máscaras, desenhos e pinturas desse povo ganharam repercussão internacional. Índio Tikuna.


O XAMANISMO...

O xamanismo tem um papel importante entre os Tikuna e o Xamã que é valorizado como curandeiro, devido ao seu conhecimento em plantas. 


Os Tikuna creem que o sol causa as epidêmicas que são levadas pelo vento. Creem também que as crianças ficam doentes quando os espíritos das arvores sequestram as almas delas.

Os xamãs são capazes de comunicar com os espíritos de certas arvores. Um xamã mau pode ter contato com estas arvores, e fabricar um pó mágico, que contem espinhos invisíveis. O pó está jogado sobre a vítima, que vai morrer se outro xamã não chupar os espinhos invisíveis fora e aplicar uma pomada de ervas. 


O xamã que causa muitas mortes é considerado um xamã mau. Um xamã bom pode identificar o xamã mau por mastigar tabaco. 

O Xamã mau e sua família serão mortos, pela família das vitimas, para vingar as almas das vitimas (Merkler 2001). A influência os xamãs tem diminuído pela influência dos missionários.


O COSMOVISÃO...

Conforme a mitologia Tikuna o mundo é dividido em dois, um mundo superior e um mundo inferior. O mundo superior existe em baixo das estrelas. Há dois tipos de seres, os mortais e os imortais. 

Os últimos são mortais que vão para lugares eternos, e assim tornam imortais. A posição destes lugares é conhecida, mas eles são inacessíveis (Reyes 2008).

A Deusa Mãe, Taé, reside com índios e os homens que viviam vidas justas no mundo superior. A entrada consiste do espaço entre dois postos que se abre ou feche conforme a vida da pessoa que tenta entrar. 

As almas dos mortos tentam entrar pelo espaço entre os postos; os criminosos são bloqueados. Se um criminoso suceder passar ele será jogado para a terra por Taé, onde está destruído por demônios ou transformado em um sapo e morre. 

A Taé não é a mais poderosa deidade, mas tem o poder de destruir o mal. Ela é o mestre do Naáë, a parte racional e emocional da alma humana.

Todo o mundo tem duas partes da alma, uma, o Naáë vai para o mundo superior e a outra, o Natcií, fica vagando no lugar na terra onde o morto morava.

 O Natcií começa a existir depois da morte; ela se disfarça como um animal durante o dia e assombra cabanas velhas, mas anda a noite em forma humana, e chupa sangue e devora carne e ossos. 

Os Tikuna têm medo dos Natcií. Uma outra fonte descreve as crenças diferentes: Há um bom espírito, Nanuola, e um espírito mau, Locasi. Os mortos estão enterrados em jarros de barro, com comida e arca e flechas.

O mundo inferior consiste de demônios, os seres mais antigos da mitologia Tikuna. Alguns pertencem aos clãs. Têm formas grotescas e vivem em baixo da terra e da água. 

Entram suas habitações por cavernas. O demônio do Oriente é mestre do peixe; o demônio do Ocidente é mestre do barro do oleiro. São perigosos à gente.

O Deus Dyai é o inimigo dos demônios, criou a humanidade, estabelecendo os costumes, leis, e criou a culturas materiais. Ele é herói para os Tikuna e por reverencia substituam seu nome por Tànànti (pai), Baiá ou Búti. 

Os seres mitológicos mais importantes são Yo'i e Ipi, dois irmãos que são heróis e que confrontam os demônios na terra, ou o mundo intermédio e no mundo inferior.

O primeiro homem era Nutapa, de quem descenderam os irmãos e irmãs míticos. A primeira cerimônia de Nova Moça foi iniciada por o xamã poderoso chamado Me'tare.


Os Tikuna têm uma tendência de aceitar movimentos messiânicos. Curt Nimuendaju e Maurício Vinhas de Queiroz identificaram sete movimentos entre os anos 1900 e 1961. 

Estes movimentos começaram com um Tikuna tendo visões e revelações, causando muitos dos índios de se juntar e abandonar o trabalho de seringueiro. Foram terminados por invasões de 'civilizados' matando os índios.

Chegou a noticia em 1971 de um Padre Santo estava fazendo milagres. Este era Irmão José Francisco da Cruz, um mineiro que tinha viajado por muitos países ate chegar no Rio Iça, Peru. 

Nos anos 1980 um movimento messiânico envolveu quase toda a população Tikuna nesta Irmandade da Santa Cruz (Reyes 2008). Para escapar o desastre escatológico os índios tiveram que mudar para as aldeias em redor dos cruzeiros bentos que Padre Santo ergueu. Os batistas e alguns católicos não aderiram ao movimento.

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TUKANO
Nomes alternativos: Tucano
Classificação linguística: Tukano
População: 6.241 (Dsei/Foirn – 2005)
Local: Amazonas

São também chamados de Tucano, e a família linguística Tukâno é dividida nos ramos ocidental, que compreende línguas faladas no Peru, Equador e Bolívia; e oriental, com as línguas Barasâna, Desâna, Karapanã, Kubéwa, Pirá-Tupúya, Suriâna, Tukâno e Wanâno, faladas desde a Colômbia até o Brasil, no Noroeste da bacia Amazônica.


São extremamente vaidosos, gastam dias e esforços para capturar aves de plumagens belas, coloridas e variadas para fazer adornos. Eles também gostam de modificar as cores originais dando comidas especiais para as aves ou aquecendo as penas, processo conhecido como tapiragem. Usam até duas dezenas de aves para um único adorno. Estes enfeites são usados em rituais e aqueles que usam as peças mais bonitas são muito prestigiados pela tribo.

Os índios que vivem às margens do Rio Uaupés e seus afluentes – Tiquié, Papuri, Querari e outros menores – integram atualmente 17 etnias, muitas das quais vivem também na Colômbia, na mesma bacia fluvial e na bacia do Rio Apapóris (tributário do Japurá), cujo principal afluente é o Rio Pira-Paraná. Participam de uma ampla rede de trocas, que incluem casamentos, rituais e comércio, compondo um conjunto sócio-cultural definido.

Como princípio básico, a cosmologia Tukano combina perspectiva móvel, replicação da organização social em diferentes escalas da existência - Corpo, Comunidade, Casa e Cosmos, e organização análoga entre níveis diferentes da experiência. 


O universo é feito de três camadas básicas: Céu, Terra e "Mundo Inferior". Cada camada é um mundo em si, com seus seres específicos e podendo ser entendidos tanto em termos abstratos como concretos. 

Em contextos diferentes, o "céu" pode ser o mundo do sol, da lua e das estrelas, ou o mundo dos pássaros que voam alto, ou os topos achatados dos Tepuis (topos achatados das montanhas) dos quais descem as águas ou o mundo dos topos das árvores da floresta, ou mesmo uma cabeça enfeitada com um cocar de penas vermelhas e amarelas de arara, que são as cores do sol. 

Do mesmo modo, o "mundo inferior" pode ser o Rio dos Mortos debaixo da terra, o barro amarelo debaixo da camada do solo onde enterram-se os mortos, ou o mundo aquático dos rios subterrâneos.

De toda forma, o que define o "céu" ou o "mundo inferior" depende não somente da escala e do contexto, mas também da perspectiva: à noite o sol, o céu e o dia ficam debaixo da terra e o escuro mundo inferior fica acima. 


Há uma história sobre um homem que encontra o cadáver de uma mulher-estrela que caiu na terra quando fora enterrada por sua família no céu: para seus parentes ela está morta no mundo inferior; para o homem, ela está viva na terra. 

O homem casa com a mulher-estrela e vai com ela visitar sua família no céu. Para o homem, as estrelas são os espíritos dos mortos que vivem à noite; para as estrelas, ele que é um espírito, e o dia para ele corresponde à noite para elas.

Os diferentes grupos Tukano também participam desse esquema. Assim, por exemplo, os Bará são Povo de Peixe (ou da Água), os Barasana são Povo da Terra e os Tatuyo estão na categoria de Povo do Céu.


Cada um desses grupos tem um ancestral-Anaconda, mas anacondas na água são outra versão de jaguares na terra ou de harpias no céu - em um mundo transformacional e perspectivista, os maiores predadores do céu, da terra e da água são equivalentes e complementares. 

Assim como pessoas que estão na mesma "camada" são do mesmo tipo e não podem casar entre si, os casamentos entre diferentes grupos exogâmicos possuem dimensões cósmicas. 


Os Barasana, por exemplo, tendem a casar-se com os Bará, e estes também costumam casar-se com os Tatuyo. É possível vislumbrar esse sistema em um mito barasana que tematiza sua origem. 

Yeba, ou "Terra", o ancestral Barasana em forma de jaguar, casa-se com Yawira, uma mulher-peixe guaracu, filha da Anaconda Peixe, o ancestral dos Bará. 

Yawira então abandona seu marido Yeba e foge com Yuka, o urubu-rei que é uma manifestação do ancestral Tatuyo, que é também a Anaconda do Céu e Jaguar (Eagle-Jaguar). 

Outros grupos Tukano têm diferentes versões para esse mito, nas quais os nomes dos personagens podem mudar, mas a lógica é a mesma.


Em termos simbólicos, a maloca é o universo e o universo é uma maloca. O teto de palha é o céu, os esteios de suporte são as montanhas, as paredes são as cadeias de serras que parecem cercar a paisagem visível na beira do mundo, e sob o chão corre o Rio dos Mortos. 

A maloca tem duas portas: uma no leste que é a dos homens, ou a "porta da água"; outra das mulheres a oeste, com uma longa cumeeira que corre ao longo do teto da casa entre as duas portas, que é "o caminho do Sol". 

Nessa região equatorial, os rios subterrâneos correm do oeste para o leste, ou da porta das mulheres para a porta dos homens; completando um circuito fechado da água, o Rio dos Mortos corre do leste para o oeste.

A maloca tanto é o universo, como também é um corpo, ao mesmo tempo o "corpo canoa" do ancestral-Anaconda e os corpos de seus filhos nele contidos. 

Esses filhos são os habitantes da casa, réplicas do ancestral original, receptáculos de futuras gerações e, eles mesmos, futuros ancestrais. Mas, se a maloca é um corpo humano, sua feição também é uma questão de perspectiva.


Do ponto de vista masculino, a frente pintada da maloca é um rosto de homem, a "porta dos homens" é sua boca, a viga mestra e as laterais são a sua coluna e costelas, o centro da casa é seu coração, e a porta das mulheres o seu ânus.

Do ponto de vista das mulheres, a coluna, as costelas e o coração permanecem os mesmos, mas o resto do corpo é invertido: a porta das mulheres é a sua boca, a porta dos homens a sua vagina e o interior da casa o seu ventre.

De tais princípios de replicação e transformação dão-se uma série desdobramentos. Se os rios correm através da casa-universo e o corpo é uma espécie de casa, segue-se que as tripas e os genitais humanos são "rios"; e, ainda, que os vermes parasitas são "anacondas". 

Há uma história divertida que descreve o universo do ponto de vista de um verme: quando o seu hospedeiro humano bebe caxiri (cerveja de mandioca), a chuva fica grossa e pegajosa; quando ele ingere farinha, chove pedras; e quando ele come beiju, chove grandes rochas.


Essa narrativa ilustra um ponto importante: por vezes os mitos explicitam a cosmologia, mas com mais freqüência a cosmologia simplesmente está subentendida ou implícita e as pessoas devem pô-las em prática por conta própria. Especialistas religiosos são aqueles que possuem maior habilidade para "ler" o que está por trás das narrativas sagradas.

Os Tukanos possuem dois figurais centrais que ligam a comunidade e a espiritualidade: os Yai e os Kumu. Enquanto aos Yai cabem a função de cura de moléstias físicas e espirituais, os Kumu exercem a mais função de sábio e sacerdote do que propriamente um xamã. 


Seus poderes e autoridade são baseados no conhecimento exaustivo da mitologia e dos procedimentos rituais, resultado de anos de treinamento e prática. 

Conseqüentemente, aqueles que são reconhecidos como Kumu geralmente são homens mais velhos, cujos pais ou tios paternos muitas vezes tinham o mesmo status.

O Kumu desempenha um papel importante na prevenção de doenças e infortúnio. Ele é um especialista na arte de soprar encantações sobre a carne de peixe e animais para converter a sua substância em uma forma similar ao vegetal.


Tem papel proeminente nos ritos de passagem, realiza as principais cerimônias por ocasião do nascimento, iniciação e morte, transições que asseguram a socialização do indivíduo e a passagem das gerações, assim como ordena as relações entre os ancestrais e seus descendentes vivos. 

É o Kumu que nomeia os bebês recém-nascidos e é ele que conduz os ritos de iniciação. Tais transições envolvem um contato necessário e potencialmente benéfico entre os vivos, os espíritos e os mortos. 

Esse contato pode ser perigoso e é o Kumu que assume a responsabilidade de proteger as pessoas. Para aqueles que gozaram da proteção de um Kumu durante o seu nascimento ou iniciação, ele é seu guru ou “tartaruga”, em alusão à carapaça dura e protetora desse animal.

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TUPINAMBÁS

Constituíam o povo tupi por excelência. As demais tribos tupis eram, de certa forma, suas descendentes, embora o que de fato as unisse fosse a teia de uma inimizade crônica. 

Os tupinambás propriamente ditos ocupavam da margem direita do rio São Francisco até o Recôncavo Baiano. Seriam mais de 100 mil.


Conhecidos também como Tamoio ou Tamuya, habitavam várias áreas do litoral brasileiro que ia da atual cidade de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, a Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro. “Tamoio” significa avô, o mais velho, e “Tupinambá” talvez signifique o primeiro, o mais antigo. 


Os Tupinambá viviam sobretudo no estado do Rio de Janeiro, onde se calcula um total de 6 mil pessoas. O conjunto da nação Tupinambá nessa região não deveria ultrapassar 10 mil pessoas.

Três traços principais marcavam este povo: a inteligência, a guerra e a abertura para o novo. Uma outra característica marcante dos tupinambás era a prática do canibalismo. Acreditavam que ao consumirem a carne de pessoas, poderiam adquirir suas qualidades (inteligência, coragem, habilidades bélicas, etc).


As diversas tribos tupinambás possuíam uma língua comum, conhecida como tupi, porém não mantinham uma unidade e chegavam até mesmo a guerrearem entre si. Os tupinambás fizeram parte da Confederação dos Tamoios, entre 1556 e 1567, na luta contra os colonizadores portugueses.

É praticamente consenso, embora ainda se discutam alguns aspectos relativos ao período de ocorrência, que os Tupinambás tenham passado a habitar a região do Maranhão e Pará em função da fuga que empreenderam pela costa sul-norte e leste-oeste devido ao avanço dos portugueses nos seus antigos territórios. 


Essa diáspora indígena aconteceu portanto com os tupinambás subindo do Rio de Janeiro para o Maranhão e depois entrando do Maranhão pro Pará e Amazonas.



Durante a migração, os Tupinambás dividiram-se em três bandos. Os que se fixaram no Amazonas atingiram primeiramente o rio Madeira. Contudo, alguns conflitos com os espanhóis obrigaram-nos a emigrar novamente. Neste movimento atingiram a ilha dos Tupinambaranas (onde se situa Parintins).

A CABLOCA JUREMA
 Filha do Caboclo Tupinambá. 


A Cabocla Jurema é filha mais velha do Caboclo Tupinambá. É uma divindade pura, presente nos cultos Afro indígenas-brasileiros, sempre pronta para amparar os sofredores, utilizando-se do processo de cura, através de passes magnéticos, ervas sagradas e de vibrações espirituais.

Filha valente de Tupinambá. Adotada pelo mundo, foi encontrada aos pés do arbusto da planta encantada que lhe deu o nome; e cresceu forte, bonita, como formosura da noite e firmeza do dia. 

Corajosa, a cabocla tornou-se a primeira guerreira mulher da tribo, pois a sua força e agilidade e manejo das armas e da ciência da mata, se tornara uma lenda por todo continente; onde contadores de estórias, aos pés da fogueira, falavam da índia de pena dourada, que era a própria mãe Divina encarnada.

Nada causava medo na Cabocla, ate que um dia ela encontrou seu maior adversário; o amor. Jurema se apaixonou por um caboclo chamado Huascar, de uma tribo inimiga chamada Filhos do Sol, que fora preso numa batalha.

Os dias se passaram e o amor aumentava, pois o pior de amar não é amar sozinho e sim amar sem retorno, pois exige do amado, uma ação em prol do amor.

Jurema que aprendera a resistir ao conto do boto, ao veneno da cascavel e da madeira, já resistira bravamente a centenas de emboscadas e que sentia o cheiro à distância de ciladas, não conseguiu resistir ao amor que fluía do seu peito por aquele guerreiro. 

Observando o Caboclo preso, ela viu nos olhos dele, as mil vidas que eles passaram juntos, viu seus filhos, o amor que os unia além da carne e percebeu que não foi por acaso, que ele fora o único caboclo capturado vivo, e decidiu libertá-lo, mesmo sabendo que seria expulsa da sua tribo.

Na fuga, seu próprio povo a perseguiu, e em meio a chuva de flechas voando na direção do caboclo fugitivo, foi Jurema que caiu, salvando o seu amado e recebendo a ponta da morte que era pra ele, no seu próprio peito.

Conta a Lenda, que o Caboclo Huascar voltou a Terra do Sol e fundou um império nas montanhas andinas e mandou erguer um templo chamado Matchu Pitchu em homenagem a Jurema, onde, só as mulheres da tribo habitariam e lá aprenderiam a serem guerreiras como a mulher que salvara a sua vida. 

E no lugar onde a Jurema caiu, nasceu uma planta rebusca e muito resistente que dá flor o ano inteiro, cujo formato exótico e o tom amarelo-alaranjado intenso chamou atenção de todas as tribos, pois tudo dessa planta poderia ser utilizado, desde as sementes, até as flores e o caule; e porque as flores dessa planta estão sempre viradas para o astro maior; ela ficou conhecida como Girassol.

Acredita-se até que a Árvore da Jurema é sagrada onde reside os Orixás, e é desta árvore que se faz a base do chá chamado "Daime".

Esta Cabocla linda é a Rainha das Matas, filha mais velha do Caboclo Tupinambá. Ela teve mais duas irmãs chamadas: Jupira e Jandira, que da mesma forma que a Cabocla Jurema, são poderosas Entidades de Luz, e tem seus trabalhos dentro da Umbanda muito bem vistos e respeitados.

ÍNDIOS GUERREIROS...

A vida dos grupos locais ou mesmo de "nações" Tupi girava em torno da guerra, da qual faziam parte os rituais antropofágicos.
Guerreavam contra grupos locais da mesma nação, entre "nações" e contra os "tapuias".

A guerra e os banquetes antropofágicos reforçavam a unidade da tribo: por meio da guerra era praticada a vingança dos parentes mortos, enquanto o ritual antropofágico significava para todos, homens, mulheres e crianças, a lembrança de seus bravos. O dia da execução era uma grande festa.

Nos banquetes antropofágicos, o prisioneiro era imobilizado por meio de cordas. Mesmo assim, para mostrar seu espírito guerreiro, devia enfrentar com bravura os seus inimigos, debatendo-se e prometendo que os seus logo reparariam a sua morte.

As festas dos Tupinambá estão associadas a rituais católicos. A Festa do Divino Espírito Santo no final de mês de maio é importante para a reunião entre as pessoas que moram nos 'lugares' na Mata e na Vila de Olivença. 


A bandeira do Espírito circula durante um mês por todos 'lugares' da Mata. No encerramento da festa uma missa é realizada na igreja de Olivença. A Festa de São Sebastião em janeiro é também importante. 

A Festa da Puxada do Mastro é realizada, quando a árvore é derrubada uns três quilômetros da vila. O tronco é arrastado até a praça da cidade e fincado diante da igreja. Pedaços do casco da árvore são extraídos para promessas feitas a São Sebastião. 


Esta festa remonta á época colonial quando os jesuítas transformaram o antiga ritual indígena. Os indígenas têm muito razão se identificar com o santo mártir.

Em outubro realizam a festa da Caminhada em Memoria dos Mártires, que se lembra dos sofrimentos e repressões e massacres do passado, quando todos os Tupinambá se pintam para enfatizar a cultura indígena. Também os Tupinambá adortaram desde 2000 o Porancim, uma versão do Toré, praticado por outros indígena na Bahia e Minas Gerais (Viegas 2010).

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YANOMAMI

Nomes alternativos: Yanoama, Yanomani, Ianomami, Yanomámi, Waicá, Waiká, Yanoam, Yanomam, Yanomamé,
 Surara, Xurima, Parahuri
Classificação linguística: Yanomami
População: 15.682 (Funasa – 2006)
Local: Posto Waicá, Rio Uraricuera, Roraima;
 Posto Toototobi, Amazonas; 
Rio Catrimani, Roraima

Povo constituído por diversos grupos cujas línguas pertencem à mesma família, não classificada em troncos. 

Denominada anteriormente Xiriâna, Xirianá e Waiká, a família Yanomami abrange as línguas Yanomami, falada na maior extensão territorial, Yanomám ou Yanomá, Sanumá e Ninam ou Yanam, as quatro com vários dialetos. 

Os Yanomami vivem no oeste de Roraima, no norte do Amazonas e na Venezuela, num total de 20 mil índios.


É o último povo indígena das Américas que conseguiu sobreviver mantendo seu patrimônio cultural e social. Seus membros, 7822 indivíduos, vivem dos dois lados da fronteira entre o Brasil e a Venezuela, próximo ao Pico da Neblina. 


Os Yanomami abrem várias trilhas para ligar as diferentes aldeias com as áreas de caça, os acampamentos de verão e as roças recentes e antigas. 

Eles fazem um constante rodízio entre esses lugares e com isso, a floresta se recupera com rapidez. Todos da tribo moram numa imensa casa coletiva e as crianças ocupam um lugar de destaque, suas necessidades são prontamente atendidas e seus pedidos sempre levados em conta. 

Embora haja um intercâmbio freqüente de mulheres e produtos, cada uma das aldeias tem completa autonomia política e administrativa. Esses índios queimam os seus mortos e comem as cinzas. Eles acreditam que os espíritos, que podem ser bons ou maus, habitam as plantas e animais. 

Os garimpeiros disputavam suas terras desde 1987, atraídos pelas grandes reservas de diamante, ouro, cassiterita e urânio, colocando em risco a sobrevivência do povo Yanomami. Em 1990, o governo brasileiro adotou medidas de proteção às terras indígenas, iniciando a retirada dos garimpeiros.



URIHI, A TERRA FLORESTA...

A palavra Yanomami Urihi designa a floresta e seu chão. Significa também território: Ipa Urihi, "minha terra", pode referir-se à região de nascimento ou à região de moradia atual do enunciador; Yanomae Thëpë Urihipë, "a floresta dos seres humanos", é a mata que Omama deu para os Yanomami viverem de geração em geração; seria, em nossas palavras, "a terra yanomami". Urihi pode ser, também, o nome do mundo: Urihi a Pree, "a grande terra-floresta".

Fonte de recursos, Urihi, a terra-floresta, não é, para os Yanomami, um simples cenário inerte submetido à vontade dos seres humanos. Entidade viva, ela tem uma imagem essencial (Urihinari), um sopro (Wixia), bem como um princípio imaterial de fertilidade (Në rope).


Os animais (Yaropë) que abriga são vistos como avatares dos antepassados míticos homens/animais da primeira humanidade (Yaroripë) que acabaram assumindo a condição animal em razão do seu comportamento descontrolado, inversão das regras sociais atuais. 

Nas profundezas emaranhadas da Urihi, nas suas colinas e nos seus rios, escondem-se inúmeros seres maléficos (Në waripë), que ferem ou matam os Yanomami como se fossem caça, provocando doenças e mortes. No topo das montanhas, moram as imagens (Utupë) dos ancestrais-animais transformadas em espíritos xamânicos Xapiripë.


Os Xapiripë foram deixados por Omama para que cuidassem dos humanos. Toda a extensão de Urihi é coberta pelos seus espelhos onde brincam e dançam sem fim. 

No fundo das águas, esconde-se a casa do monstro Tëpërësik«, sogro de Omama, onde moram também os Espíritos Yawarioma, cujas irmãs seduzem e enlouquecem os jovens caçadores yanomami, dando-lhes, assim, acesso à carreira xamânica.


OS ESPÍRITOS XAPIRIPE...

A iniciação dos pajés é dolorosa e extática. Ao longo dela, inalando por muitos dias o pó alucinógeno Yãkõana (resina ou fragmentos da casca interna da árvore Virola secados e pulverizados) sob a condução dos mais antigos, aprendem a "ver/ conhecer" os espíritos Xapiripë e a "responder" a seus cantos.

Os Xapiripë são vistos sob a forma de miniaturas humanoides enfeitadas de ornamentos cerimoniais coloridos e brilhantes. 

Sua dança de apresentação é comparada à ruidosa e alegre chegada de grupos convidados, ricamente adornados, numa festa intercomunitária Reahu. São, sobretudo, "imagens" xamânicas (Utupë) de entes da floresta.


Existem Xapiripë de mamíferos, pássaros, peixes, batráquios, répteis, lagartos, quelônios, crustáceos e insetos. 

Existem espíritos de diversas árvores, espíritos das folhas, espíritos dos cipós, dos Méis silvestres, da água, das pedras, das cachoeiras… Muitos são também "imagens" de entidades cósmicas (lua, sol, tempestade, trovão, relâmpago) e de personagens mitológicas. 


Existem também humildes Xapiripë caseiros, como o espírito do cachorro, o espírito do fogo ou da panela de barro. Existem, enfim, espíritos dos "brancos" (os Napënapëripë, mobilizados, por homeopatia simbólica, para combater as epidemias) e de seus animais domésticos (galinha, boi, cavalo).


O TRABALHO DOS PAJÉS...

Uma vez iniciados, os Pajés Yanomami podem chamar até si os Xapiripë, para que estes atuem como espíritos auxiliares. 

Esse poder de conhecimento/ visão e de comunicação com o mundo das “imagens/essências vitais(Utupë) faz dos pajés os pilares da sociedade yanomami. 

Escudo contra os poderes maléficos oriundos dos humanos e dos não-humanos que ameaçam a vida dos membros de suas comunidades, eles são também incansáveis negociadores e guerreiros do invisível, dedicados a domar as entidades e as forças que movem a ordem cosmológica.


Controlam a fúria dos trovões e dos ventos de tempestade, a regularidade da alternância do dia e da noite, da seca e das chuvas, a abundância da caça, a fertilidade das plantações, sustentam a abóbada do céu para impedir sua queda (a terra atual é um antigo céu caído), afastam os predadores sobrenaturais da floresta, contra-atacam as investidas de espíritos agressivos de pajés inimigos e, principalmente, curam os doentes, vítimas da malevolência humana (feitiçarias, xamanismo agressivo, agressões ao duplo animal) ou não-humana (advinda dos seres maléficos Në waripë).


VER OS ESPÍRITOS XAPIRIPÊ... 

PARA DESENVOLVER SUAS SESSÕES, 
OS PAJÉS INALAM O PÓ YÃKÕANA 
Considerado como Comida dos Espíritos. 


Sob seu efeito, dizem "morrer": entram num estado de transe visionário durante o qual "chamam" a si e "fazem descer" vários espíritos auxiliares, com os quais acabam identificando-se, imitando as coreografias e cantos de cada um em função da sua mobilização na pajelança (designam-se os pajés como Xapiri thëpë, "gente espírito"; o fazer pajelança diz-se Xapirimu, "agir enquanto espírito"). 



Assim, quando "seus olhos morrem", os pajés adquirem uma visão/ poder que, ao contrário da percepção ilusória da "gente comum" (Kua Përa Thëpë), lhes dá acesso à essência dos fenômenos e ao tempo de suas origens, portanto, à capacidade de modificar seu curso.

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 YE’KUANA
Nomes alternativos: Yekuana
Classificação lingüística: Karib
População: 430 (Moreira-Lauriola – 2000)
Local: Amazonas, Roraima

Os Ye’kuana, antigos viajantes na Amazônia, na floresta e na cidade, mostram como a articulação de espaços diferentes, dentro e fora de seu território tradicional, cria uma dinâmica que longe de descaracterizar sua identidade, pode favorecer um sistema de criação e manutenção de redes de apoio, de trocas econômicas, de informação e de projetos econômicos e sociais.



Os Ye´kuana concebem o universo composto por dois planos paralelos : Caju (o céu) e Nono (a terra). 

Em Nono, plano inferior do universo, o sobrenatural fora outrora neutro (ou pelo menos suas manifestações eram desconhecidas pelos habitantes da terra). Então o Sol pai deixou cair três ovos mágicos. Os dois primeiros se abriram e deles saíram Wanadi, um herói cultural mítico, e seu irmão.




O terceiro não chegou a se quebrar, mas ficou machucado e deformado. Wanadi então o atirou na floresta. Com essa segunda queda o ovo se abriu e Cajushawa, cheio de ressentimento e de ódio, apareceu na terra e se converteu na manifestação negativa do sobrenatural.

Desde então a gente de Cajushawa (os demônios ou Odosha) se proliferaram pelo mundo, dominando o reino invisível da terra.

Em contrapartida, Wanadi, a expressão benévola do sobrenatural, depois de ter vivido na terra por um tempo durante o qual lutou contra Cajushawa, deixou a terra nas mãos de sua gente, os Ye´kuana, a quem cabe lutar contra os demônios.

A configuração da terra tem em seu centro um círculo interno de água chamado Dama (o mar), que é rodeado por outro círculo, nono (a terra propriamente dita), o qual possui artérias de água, tuna (os rios provenientes do mar). Rodeando a terra há outro círculo donde partem raias inclinadas que são os pilares de sustentação do céu.




Este espaço é chamado Caju Wowaö´ña, literalmente « as patas do céu». Além de suportar o céu, Caju wowadö´ña constitui o limite do reino de Cajushawa. As aldeias do leste se dizem que estão aderidas a caju Wowadö dawono (a parte inferior de caju Wowadö). 

Na direção leste há inúmeras cascatas de difícil acesso que iniciam na terra, correm subterraneamente em Caju Wowadö´ña e reaparecem no céu em forma de água calma. Quando Cajushawa perseguia Wanadi, não conseguiu atravessar essas cascatas e deve que ficar na terra.

Caju (céu), plano superior do universo, está dividido em oito camadas, que são os reinos dos Jöwai. As aldeias de Wanadi e do Sol estão em um lugar inacessível de caju, concentradas em um único local para além do mundo no qual os seres visíveis (os Ye´kuana) e os invisíveis (os demônios de Cajushawa) competem incansavelmente, e o equilíbrio entre as forças positivas e negativas é precário. Habitando esse local, Wanadi está completamente alheio aos problemas da terra.


A geografia do universo e a geografia da maloca são marcadas por uma grande similaridade. Mais que isso, a maloca pode ser compreendida como uma réplica do cosmo: suas partes correspondem a cada uma das divisões significativas do céu e da terra. 

A Annaca (ou círculo interno) corresponde à dama (o mar no centro do mundo). O círculo seguinte que configura a terra (nono) corresponde na maloca à Ãsa (os departamentos/dormitórios). 


Nas margens desse segundo círculo se erguem os pilares que sustentam o teto. Os mastros maiores se chamam Sirichäne, o que significa literalmente « Apoio das estrelas ». 

Na concepção Ye´kuana do universo este espaço corresponde a caju Wowadö´nã, ou « Patas do céu ». 

O teto cônico da casa redonda, por sua vez, tem configuração semelhante à representação do plano superior do universo, sendo o ponto culminante a morada de Wanadi e seu pai. Na maloca, há uma janela no teto que se abre para o leste, na direção de Wanadi.

Além dos demônios, Odosha, há outra forma através da qual o sobrenatural se manifesta negativamente. Segundo os Ye´kuana, os sistemas de vida (o animal e o vegetal, por exemplo) têm correspondentes invisíveis ou « donos » no mundo invisível. 


Quando os Ye´kuana afetam as manifestações visíveis desses seres – ao caçar um animal ou derrubar uma árvore, por exemplo – provocam um desequilíbrio no mundo invisível. As forças invisíveis então reagem provocando má sorte, doença ou morte nos agressores.

Para amenizar esse problema, lançam mão de ritos antes do uso de determinados produtos da natureza, como frutas silvestres, caças, resinas (por exemplo, a Caraña que se usa para pintura corporal) etc. Os produtos são «soprados» a fim de repelir a força sobrenatural que se encontra neles alojada.


XAMANISMO E RITUAIS...

Todo Ye'kuana pode adquirir certa destreza ritual para controlar o poder maligno, ainda que pontualmente. Mas o sistema ritual é dominado por especialistas dotados de poderes especiais: os Jöwai (conhecidos também como Cadeju), cuja prerrogativa é a cura de doenças. 




Eles possuem um poder similar a Wanadi e seus irmãos, que foram os primeiros xamãs da terra. Este poder não é igual em todos os Xamãs, sendo mais forte em alguns.

Outro grupo de especialistas rituais são os "donos" (Edamo) de canções sagradas (conhecidas geralmente como A'churi ou Aremi) e se chamam A'churi edamo ou Aremi edamo.




Ambos tipos de especialistas podem estar habilitados para celebrar rituais com finalidade benéficas ou não, já que Wanadi e Cajushawa têm uma origem comum.

Os ritos celebrados por um A'churi ou Aremi Edamo em geral compostos de : a) exorcismo, invocação mágica ou cantos sagrados (Aremi ou A'churi) que variam de tamanho e conteúdo; b) gestos apropriados – com as mãos ou sopro – para expelir e afugentar as forças malignas ou demônios (Odosha); c) usos de amuletos mágicos (Eritrotojo).

A classificação dos ritos pode ser estabelecida em "comunais", "privados" e "individuais". Dos primeiros participam toda a comunidade, guiada pelo A'churi ou Aremi Edamo. São raros e constituem cerimônias vinculadas a eventos como a abertura de uma roça ou inauguração de uma casa.


Os ritos privados são mais numerosos e a quantidade de participantes é variável. Compreendem, por exemplo, a celebração de um nascimento, de uma primeira menstruação ou de uma primeira colheita.

MAIS NUMEROSOS AINDA SÃO
 OS RITOS INDIVIDUAIS, CUJO ÚNICO
 participante é o
a'churi ou aremi edamo.

Exemplos deles são o exorcismo que acompanha o sopro de qualquer classe de carne que será ingerida por um indivíduo pela primeira vez; ou antes de consumir frutas silvestres; ou para neutralizar as forças malignas alojadas em grandes chuvas ou inundações; para encontrar uma pessoa ou animal perdidos; para a construção de canoas, tecidos e outros objetos. 

Também se consideram ritos individuais os que atuam como medicina mágica preventiva ou curativa, ou ainda «magia negra» (sopro com efeitos letais sobre a vítima).


A "PROMESSA DE YÉ KUANA"...

A cosmologia Ye'kuana tem uma dimensão profética protagonizada pelos xamãs. Além de conhecerem o passado, os xamãs podem ver o futuro, a “Promessa Ye’kuana”.

E o destino é dramático: “primeiro desaparecerão os xamãs, depois os sábios, depois os cantores, quando o último Ye’kuana morrer a terra queimará, os brancos sofrerão muito porque serão muitos, faltará água, as chuvas cessarão”. 

Os Ye’kuana encontrarão Wanadi; mas não há “salvação” para todos na “promessa” Ye’kuana. Assim, o xamanismo é a principal referência para o destino coletivo, em outras palavras, a visão do futuro e do destino Ye’kuana estão relacionados às práticas xamânicas.

Para os mais velhos, as mudanças atuais são contingentes às mudanças dos tempos; segundo eles, um certo descuido de resguardos, bem como de certas dietas e uso de pinturas corporais, colaboram para com o aumento das doenças e fragilização dos jovens. 

Mesmo com uma aparente dose de pessimismo, os problemas atuais confirmam e valorizam as “tradições”, especialmente os xamãs que previram tais mudanças.

Atualmente os Ye’kuana não possuem xamãs em suas comunidades no Brasil, mas existem as parteiras especializadas, cantadores tradicionais e especialistas em plantas mágicas e medicinais.

O contato com os seus xamãs, na Venezuela, acontece tanto por meio de visitas como por consultas via radiofonia. 

Embora contando com uma assistência à saúde permanente em suas comunidades, alguns distúrbios continuam sendo tratados de forma tradicional, com cantos, sopros, usos de plantas, tratamentos estes quase sempre acompanhados por um regime alimentar.

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YUHUP-YUHUPDEH
Nomes alternativos: 
Makú-yahup, Yëhup,
 Yahup, Yahup Makú, “Maku”
Classificação linguística: Maku
População: 360 no Brasil (1995 MTB);
 600 em total (1986 SIL)
Local: Amazonas, 
Num tributário do Rio Vaupés. 
Talvez também na Colômbia.

Os Yuhupdeh vivem na região do Noroeste Amazônico e são grandes conhecedores dos caminhos, das técnicas para caçar e fazer veneno. São visto como nômades, poderosos feiticeiros e moradores dos interflúvios dos grandes rios. 

São chamados de Maku ou índios do mato, em contraposição aos Tukano e Aruak, denominados de índios do rio. 

A despeito desta oposição, os Yuhupdeh integram o sistema social do Noroeste Amazônico. Assim como a maioria dos povos da região, realizam os rituais de dabucuri e do Jurupari e também compartilham dos dois ciclos mitológicos mais difundidos: o da viagem da canoa da transformação (Yãh baah hóh) e o do aparecimento das flautas Jurupari (Ti’). Devido a um contato mais recente eles têm se destacado por manter a prática desses rituais.

O nome Yuhupdeh é usado como autodenominação de um conjunto de grupos que vivem na região do Noroeste Amazônico e quer dizer "gente" na língua Yuhup.

Na literatura etnográfica e linguística também aparecem registrados outras grafias para o nome: Yuhup, Yohop, Yahup, Yahúbde, Juhupde (Ospina 2008). 

É somente a partir da metade do século XX que estes nome aparecem como um etnônimo para se referir a um conjunto de grupos da região do rio Tiquié e do rio Apapóris. Antes disso, tais grupos eram reconhecidos genericamente sob o nome Maku. 

Em termos etimológicos, a hipótese mais aceita é que a palavra Maku é de origem origem AruakMa: partícula privativa, Aku: fala – e significa "desprovido de fala". 

Outro sentido etimológico atribuído ao nome é "sem parente", pois em algumas línguas Aruak ku significa "Tio". Entretanto, há uma longa história em torno do nome Maku que pode ser remontada a partir de escritos do século XVIII.

Ao longo do tempo foram se associando ao termo vários significados. Nos registros dos séculos XVIII e XIX, o nome Maku é atribuído a órfãos capturados e depois comercializados com brancos como escravos. 

Os viajantes do século XIX também associaram o nome Maku a grupos que vagueavam sem residência fixa e de natureza nômade e caçadora. 

Caracterizações como "uma espécie miserável de humanidade" (Spruce 1908: 344), grupos "de pessoas pequenas e escuras, universalmente consideradas e tratadas como servas" (Whiffen 1915: 60)


COSMOLOGIA E MITOLOGIA...

O cosmos Yuhup recebe o nome de Wag e pode ser distinguido em múltiplos planos e que tem como principais orientações: a terra dos mortais (Yuhup-bö-saah) onde vivem os Yuhupdeh atualmente, a terra do rio umari (Péj-dëh-saah) que se localiza no mundo subterrâneo, a casa de trovão (Pẽy mõy) que se localiza no mundo de cima, o caminho do sol (Weró-tíw) que indica a sua direção poente e nascente. Vários ciclos míticos contam sobre as formações desses planos cosmológicos e seus desdobramentos em outros planos. 

A mitologia Yuhup tem muitas narrativas que são compartilhadas com muitos outros grupos da região, incluindo Tukano e Aruak. 


As mais difundidas sendo as versões do aparecimento das flautas Jurupari (Ti’) e da viagem da canoa da transformação (Yãh baah hóh). Tais narrativas constituem um gênero da arte verbal Yuhup designado de Big ni dih, literalmente histórias de antigamente, cuja característica principal é a descrição das diversas gêneses do universo. 

O plano mítico, nesse sentido, é uma associação de uma multiplicidade de gêneses heterogêneas que vão se diferenciando ao longo do tempo e dando origem a uma diversidade de planos. 

Um aspecto fundamental dessas gêneses, e já muito notado na literatura antropológica, é que todas as gêneses se referem ao processo de aparecimento da condição de pessoa. Tanto seres humanos quanto animais, rios, serra, etc. aparecem inicialmente sob essa condição e vão se transformando e se diferenciando a partir daí. 

Os mitos contam que num determinado momento, no caso dos seres humanos, as transformações resultaram na ‘gente verdadeira’; no caso dos animais, das plantas, dos rios, transformações divergentes teriam resultado em 'gentes' diversas. Gentes que, do ponto de vista dos humanos, não aparecem, de modo geral, como pessoas.

O principal mito que conta a transformação em ‘gente verdadeira’ é o da viagem da canoa de transformação e têm como personagem Yuhup Sah Säw. 

Ele é quem conduz a canoa e, segundo a perspectiva dos Yuhupdeh, seria o comandante da viagem, decidindo aonde ir e onde parar. 

Posição que contraria a visão dos povos Tukano e Aruak cujas versões entendem que os Maku – inclusive os Yuhupdeh – são marinheiros da canoa que estariam à serviço deles.

Além da viagem da canoa de transformação, há várias narrativas míticas que têm como protagonista Sah Säw e que se estendem num período anterior e posterior à viagem. 

Tal ciclo mítico se caracteriza por contar como o universo passou a se organizar da forma como é atualmente. Antes da viagem Sah Säw é o encarregado de aprender as principais noções culturais e depois da viagem é o responsável em ensiná-las a seu neto Dö’-Saa.

As histórias envolvendo este neto constituem um novo ciclo mítico na medida em que a partir daí o universo começa a ser nomeado dentro da aparência atual para os Yuhupdeh. 

Por exemplo, no mundo de Sah Säw a pimenta era chamada de pun tat, a partir do nascimento Dö’-Saa passou a ser denominada de Kow; o breu o avô chamava de Teg duw dew e o neto de Wo’, etc. Tais ciclos míticos também são fonte fundamental para as práticas rituais e para as ações xamânicas.


RITUAL E XAMANISMO...

O xamanismo e as práticas rituais Yuhup se enfraqueceram ao longo dos últimos cinquenta anos e xamãs poderosos tornaram-se raros. Situação compartilhada com todos os grupos que vivem na região do Alto Rio Negro. 

Tal enfraquecimento está associado às missões salesianas que se instalaram na região por volta da década de 1940 e passaram a combater as práticas xamânicas. 

Os padres impediram a realização de rituais, tomaram os instrumentos rituais, proibiram a execução de benzimentos e de procedimentos de cura onde se extrai a doença. 

Outra estratégia utilizada pelos salesianos foi recrutar as crianças para os colégios internos a fim de civilizá-los e impedi-los que participassem dos rituais de iniciação com as flautas Jurupari.


Embora os Yuhupdeh tenham sido menos afetado pelo contato com os missionários – eram minoria nos internatos das missões, por exemplo – as consequências foram muito similares àquelas sofridas pelos outros grupos que prevaleciam nas missões. 

Tanto que os grupos Yuhupdeh que vivem na região do igarapé Castanha, do Ira e do Cunuri, se referem a um enfraquecimento dos pajés e benzedores e o associam à tomada dos instrumentos e ornamentos por parte dos missionários salesianos e à proibição de realização de rituais de iniciação, de cura e de dança. 


A língua Yuhup tem duas palavras para se referir ao xamã que são as palavras Säw e Mihdiid Säw, traduzidas geralmente como pajé e benzedor, respectivamente. Algo que a língua Yuhup compartilha com as línguas Tukano Oriental e Aruak, que também possuem dois termos para xamã. 

A principal diferença entre pajé e benzedor, conforme dito alguns benzedores Yuhup, é que o pajé tem a capacidade de se transformar em gente onça e negociar com essa gente. Outra diferença diz respeito aos procedimentos terapêuticos empregados para fazer a cura. 

O pajé consegue extrair a doença da pessoa e a partir disso identifica a doença. Uma das técnicas relatadas foi a cura com água. O Pajé põe um recipiente com água no chão em frente ao doente e começa a banhá-lo até que em determinado momento a doença cai sob o recipiente na forma de um objeto. Ele possui uma pedra de quartzo, que normalmente mantém pendurada ao pescoço. 

Ele tem a capacidade de viajar através dos sonhos para os diversos planos do mundo e o conhecimento sobre fórmulas verbais que enviam doença para algum inimigo. 

Durante o aprendizado dessas habilidades, é necessário obedecer rigorosamente restrições alimentares e sexuais e consumir tabaco, ipadu, caapi, paricá.

Além do benzedor não conseguir se transformar em onça, tampouco aplica a técnica de extrair a doença da pessoa. O seu procedimento terapêutico se concentra na execução de fórmulas verbais. 

Os indígenas da região usam a palavra benzimento para se referirem a essas fórmulas. É comum também aparecerem traduzidas como reza. 

Parte da bibliografia se refere a essas fórmulas como encantação. Os benzimentos podem se diferenciar em três tipos: os de nominação, os de cura e os de proteção. 

O benzedor é o responsável por conduzir os rituais de iniciação masculina com o uso de flautas Jurupari (Tí’). 

Esses rituais com flautas são disseminados por toda a região do alto rio Negro e é um dos fatores que permite concebê-la como um sistema integrado. Além das próprias flautas, os povos da região compartilham versões sobre a origem dessas flautas. 

A invariante que conecta todas as versões é a retomada por parte dos homens dessas flautas, que foram inapropriadamente tomadas pelas mulheres. 

Durante esse período em que os iniciantes e os homens veem as flautas Jurupari (Tí’), eles obedecem restrições alimentares e sexuais e os iniciantes aprendem a consumir tabaco, ipadu, paricá e caapi. O benzedor que coordena o ritual, conta mitos e benzimentos para os jovens.

Além do ritual de iniciação masculina, existem outro rituais de danças que podem ser distinguidos entre as danças cariço e Caapiwaya. 

A Dança Cariço é denominada em Yuhup como Be’ e frequentemente executada nos rituais de troca de alimentos, comumente conhecido na região do Alto Rio Negro como dabucuri. 

A Dança Caapiwaya, também pode estar ligada a um dabucuri, e são executadas em ciclos que duram um dia e meio, onde homens enfeitados com ornamentos dançam sob a condução do mestre de dança e cantam uma música de língua incompreensível que remonta ao tempo da gênese das primeiras geração de pessoas. 

Os mestres de dança que conduzem tais rituais são chamados na língua Yuhup de yãm säw.

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